Blog que retrata os acontecimentos do mar e porto de Viana e arredores, nos bons e maus momentos, dos pequenos aos grandes senhores.

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Jul 07

Equador

À medida que nos aproximavamos do continente africano aumentava o calor, diminuía o vento e abonançava o mar.

O cheiro de Àfrica pairava no ar que respiravamos. Estavamos perto de terra. A rota tangente que o capitão traçara  em direcção ao cabo Verde estava prestes a aproximar-se do ponto de viragem de rumo.

O capitão viera à ponte ligar o radar na presença do imediato e do telegrafista. Era um ritual habitual nos navios mercantes nessa época. O radar estava fechado à chave e só o comandante tinha acesso, ou o telegrafista em caso de avaria. O radar era um auxiliar de navegação pouco em voga nos navios da Marinha de Comércio e só era utilizado nos pontos estratégicos de aproximação a terra, na dobragem de um cabo ou em zonas com corredores de tráfego, caso do Canal da Mancha, Gibraltar, etc.

Não fora o radar e não nos aperceberíamos da passagem do cabo Verde devido à distância considerável que o dobramos e à natureza da costa relativamente baixa. Por outro lado, a proximidade dele era evidente pela afluência significativa de navegação nos dois sentidos, sinal que estavamos a passar por uma zona congestionada de tráfego, sintoma evidente de um ponto de passagem habitual.

O mar tornou-se estanhado. Durante o quarto da noite, no silêncio, sómente o marujar do deslocamento do navio ecoava na imensidão do oceano acompanhado do ritmado barulho dos motores do navio, a que já nos habituamos ao fim de alguns dias de navegação e que a princípio não nos deixava dormir. 

Aproximavamo-nos do Equador, esse mítico e invisível paralelo de círculo máximo que todos os marítimos desejam passar apesar das praxes tradicionais impostas a quem o cruza pela primeira vez.

Para além de um banho de mangueira em sinal de baptismo, que soube bem pelo calor que se faz sentir nestas latitudes, sinceramente não me recordo do "castigo" que me foi imposto pelos ditames do Deus Neptuno. Recordo-me, isso sim, duma grande festa por ré do casario, sobre a escotilha do porão nº 4, com um toldo montado por causa do sol abrasador e mesas improvisadas pelo carpinteiro para toda a tripulação comer.

 

Cabinda

Sob um sol abrasador e inclemente navegamos para Cabinda, onde devíamos chegar pela manhã para começar a descarga.

Era por volta das duas horas da manhã quando no horizonte, pela proa do navio, avistei um clarão luminoso alaranjado que, à medida que nos íamos aproximando, se tornava mais brilhante dum amarelo alaranjado forte. Parecia que o mar estava a arder. Daí a pouco o mistério desvendou-se, começaram a surgir do mar labaredas de fogo expelidas das torres das plataformas petrolíferas. Estavamos a chegar à zona off-shore de extracção de petróleo de Cabinda.

Saí de quarto antes do navio "Ganda" fundear em frente ao porto de Cabinda, que nessa altura ainda não tinha cais de atracação para navios de grande calado. Apenas pequenos navios de cabotagem tinham acesso directo a um pequeno cais onde os batelões, utilizados no transporte da carga oriunda dos navios provenientes da Metrópole, atracavam.

O Ganda esteve alguns dias ancorado na baía de Cabinda à descarga de diversas mercadorias, entre elas vinho em barris, aguardente e calçado.

Não mais me esquecerei duma cena que presenciei a bordo de um batelão atracado no lado de estibordo do navio. Na primeira lingada de barris que foi despejada no batelão, um dos estivadores fez sinal ao homem do guincho para colocar um barril de 100 litros no convés do batelão à proa e, com uma espicha (varão de ferro afiado numa extremidade, usado para abrir ilhós e a cocha dos cabos) furou o tampo do pipo e, em pé, no porão do batelão, aparava com a boca o vinho que jorrava do buraco aberto pela espicha. Bebeu até se satisfazer da "água de Lisboa", (nome dado pelos nativos ao vinho) dando a vez aos outros que o imitaram na ingestão do tão precioso néctar. Não será necessário dizer o que aconteceu a seguir, pois todos sabemos o que acontece quando se exagera com este tipo de bebida.

 

 

 

publicado por dolphin às 19:19
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