O LUTADOR
Fui apresentado ao Capitão do “Lutador” no dia seguinte à saída do Ave Maria.
O Lutador atracado na ponte cais do Testa e Cunha
O navio partia dentro de duas semanas para os mares da Terra Nova, já tinha docado (operação que consiste em colocar o navio em seco para pintar e fazer reparações diversas), estava atracado numa das pontes cais em frente à Empresa Testa & Cunha na Gafanha da Nazaré. Comecei de imediato ao serviço, porque o actual imediato Arménio, tinha feito a última semana nas funções de piloto e precisava de descansar e tratar de assuntos pessoais antes de partir para a viagem.
Dali a dias partimos para Lisboa. Deu-nos saída o senhor Borges, piloto da barra de Aveiro que veio a terminar a sua carreira como piloto da barra de Viana do Castelo.
Em Lisboa, abastecíamos de gasóleo, mantimentos e bebidas, efectuávamos a regulação de agulhas, calibração do gónio (radiogoniómetro). Por vezes íamos a Setúbal meter sal, como dessa vez, e regressávamos a Lisboa para embarcar e matricular os últimos tripulantes antes de partir para a viagem.
Saímos em meados de Abril com destino à Terra Nova, a meio da viagem, depois dos Açores, devido a informações de pesca relevantes de navios que operavam na costa oeste da Groenlândia, com quem tínhamos código,(informações mais ou menos secretas entre navios de pesca com vista a salvaguardar as capturas) rumamos em direcção ao cabo Farewell (ponta sul da ilha da Groenlândia).
Entre os navios que se encontravam a pescar na Groenlândia, estavam os popas, Santa Isabel, do comando do capitão Manuel Mendes, Santa Cristina comandado pelo capitão José Rocha e o Santa Mafalda comandado pelo capitão João São Marcos, todos pertencentes à Empresa de Pesca de Aveiro do senhor Egas Salgueiro.
Avistamos os primeiros growlers a cerca de cem milhas a sul do cabo Farewell e o capitão recomendou-me muita atenção, bem como aos vigias. Ainda largamos a rede na zona do cabo Farewell para fazer tempo à espera dos outros navios que se encontravam a pescar no banco Fillas e que navegavam para sul, mas pouco pescamos, contudo foi surpresa para mim todo o processo porque nunca tinha observado a maneira como se larga e vira a rede de arrasto. Por outro lado tive a oportunidade de ver ao vivo um bacalhau ainda a saltar. São momentos inesquecíveis que ficaram filmados na minha retina para sempre.
No dia seguinte quando entrei de quarto (período de serviço de quatro horas podendo ir até seis horas), já navegávamos para nordeste em direcção à Islândia onde se encontravam navios franceses do mesmo código a fazer boas capturas.
Antes de chegarmos aos pesqueiros da Islândia o telegrafista recebia novo comunicado dos navios franceses nossos amigos, que rumavam para a Ilha dos Ursos, situada a noroeste da Noruega, onde outros navios do mesmo grupo estavam a fazer boas pescas.
Os capitães dos quatro navios conferenciaram ao VHF (aparelho de comunicação em Frequência Muito Alta) e resolveram dar um lanço (largar ou lançar as redes por um período de tempo variável) de experiência nos bancos da costa Norte da ilha, no estreito da Dinamarca.
A experiência foi bem sucedida e atrás daquele lanço sucederam-se outros e outros, um dia, dois dias, uma semana quase, até que, o aviso de um campo de gelo vindo da costa leste da Groenlândia aproximava-se da costa norte da Islândia. Não havia muito tempo para decidir o que fazer.
Os franceses continuavam na Ilha dos Ursos a efectuar boas capturas, mais uma vez os quatro popas trocaram impressões e optaram por rumar ao encontro dos franceses. Parecia que andávamos à caça do gato e o rato sempre na cauda dos franceses. Não havia outra hipótese, os arrastões clássicos (navios que largam/viram a rede lateralmente) que operavam no Grande Norte (banco da Terra Nova) faziam capturas insignificantes e estavam a pensar rumar à Islândia ao nosso encontro.
Entretanto, os navios da EPA (Empresa de Pesca de Aveiro) pediram autorização ao armador (aquele que arma ou prepara o navio para a viagem) para irem abastecer de combustível a Reyqjavik, capital da Islândia e partiram um dia antes, enquanto nós ficamos na pesca aguardando que eles saíssem para irmos em comboio para a Ilha dos Ursos.
A proximidade do campo de gelo, empurrando-nos cada vez mais para junto da costa, obrigou-nos a meter a rede dentro e rumarmos a Leste onde esperávamos encontrar mais segurança. Fomos avançando com velocidade reduzida para dar tempo a que os outros navios saíssem de Reyqjavik, mas desconhecíamos o evoluir do campo de gelo.
in "A Epopeia dos Bacalhaus"Distribuição do bacalhau no Atlântico Norte (segundo Wise, 1961)
Estávamos numa latitude superior ao Círculo Polar Àrtico que tangencia o norte da Islândia. Nesta altura do ano , fins de Maio, os dias são longos e o sol põe-se por pouco tempo abaixo da linha do horizonte. Ao fim do dia surgiu uma névoa rota, fruto de um dia quente de primavera num oceano quase gelado e mantivemos a rota em direcção à Ilha dos Ursos debaixo do manto de névoa que entretanto se adensou um pouco em consequência também da chegada da noite, pequena porém, para nosso alívio.