O regresso à Terra Nova
Os franceses começaram a debandar. Uns regressaram a França, caso do “Colonel Pleven” e do “Marie de Grace”, que me lembro, os que ficaram dispersaram-se à procura pelo Mar de Barents, Ilha dos Ursos, Spitzbergen e costa Norueguesa sem jamais se encontrar um contacto credível. Foi então que os portugueses voltaram a conferenciar e decidiram regressar à Terra Nova para aí terminar a viagem.
Entretanto outros navios saídos de Portugal que iam com destino à Noruega, inverteram a rota e rumaram à Terra Nova, lembro-me do Santo André que nem chegou a largar a rede.
Esperava-nos uma longa viagem de cerca de duas mil milhas, ou seja, cerca de seis a sete dias de navegação em condições normais de mar e vento, se não tivéssemos nenhum contratempo como acontecera na vinda com o campo de gelo.
Assim não aconteceu porque a rota foi efectuada mais pelo sul a caminho do Flemish Cap (banco de pesca mais oriental da Terra Nova) passando pelo norte das Ilhas Faröe.
A viagem foi aproveitada para fazer reparações nas artes de pesca que devido à falta de conhecimento dos pesqueiros se danificaram mais do que o previsto.
Na Terra Nova as capturas haviam melhorado, os navios que lá se encontravam tinham efectuado na última semana consideráveis quantidades no Grande Banco. Uma curta passagem pelo Flemish Cap só para tirar dúvidas e no dia seguinte estávamos a pescar no aglomerado de navios surtos no denso nevoeiro que cobria toda a área do Great Bank.
Russos, espanhóis, ingleses e portugueses naturalmente, varriam toda a zona com as redes de pesca que se cruzavam tangencialmente até que dois deles engataram portas e redes a que se lhe juntaram outros debaixo do manto espesso de nevoeiro que não deixava antever o que se passava. Que confusão! Que “molhada” se formou e que dificilmente se iria desenvencilhar sem demoras e sem estragos nas artes. Para mais a falta de comunicabilidade era um impedimento a ter em conta, estavam envolvidos navios de diversas nacionalidades qual torre de Babel.
Percorridos os pesqueiros tradicionais, Horta, Cú do Banco, Flemish, Labrador, Grande Banco, na busca do tão desejado Gadus Morhua (bacalhau), chegou a altura de ir a terra abastecer de combustível e víveres e retemperar forças para nova etapa.
Todos nós ansiávamos pelo dia de arribar à mítica cidade de St. John’s da Terra Nova. Para mim, novato nestas andanças bacalhoeiras, era a primeira vez, por isso mais expectante se tornava a almejada quão tonificante estadia na capital da Terra Nova.
Entrada de St. John’s vista de Signal Hill
A estadia foi curta, porque a pesca assim o exigia, mas suficiente para superar desânimos e frustrações acumuladas na fruição diária da insípida e dura vida a bordo.
Apesar do pouco tempo em terra, depois das leituras da correspondência que nos deixa saudosamente tristonhos e abatidos, há sempre um tempinho para alegrar e dar largas à folia contida nos meses de solidão, visitando os bares e night-clubs habituais para beber um copo… ou mais e tentar mais não sei o quê. Só tentar!...
St. John’s - Memorial University of Newfoundland
Partíamos para a última etapa desta pouco proveitosa (creio que pescamos cerca de 16.500 quintais, mais o peixe congelado, nessa altura ainda numa fase experimental) mas diversificada e enriquecedora viagem de pesca, que me permitiu percorrer todas as possíveis zonas de distribuição do bacalhau, logo na primeira viagem.
Que experiência memorável!