Lancha de Pilotagem " Carvoeira do Mar"
Lancha de Pilotagem " Quebramar"
Vendo-se da esquerda para a direita, Chefe Agostinho, Piloto Martins, Mestre Zé e marinheiro João Carlos
Recordo, com nostalgia estas duas lanchas de pilotagem , que no início da minha actividade na Pilotagem no Porto de Viana do Castelo, tive o privilégio de pilotar.
A Carvoeira do Mar foi a primeira a ser construída nos Estaleiros da CARNAVE em Aveiro e já estava ao serviço em Viana do Castelo há algum tempo, quando ingressei no Departamento de Pilotagem do Porto de Viana do Castelo, como Piloto Estagiário, em 16 de Agosto de 1982. Tem o nome duma pedra da barra de Viana do Castelo, mas destinava-se ao porto de Portimão.
A Quebramar foi a segunda a ser construida e era destinada ao Porto de Viana do Castelo por ter um motor mais potente e mais tracção como rebocador, de forma a satisfazer uma carência que então se verificava no Porto de Viana, a falta de um rebocador versátil de apoio aos navios que demandavam a Doca Comercial.
Fui com o chefe sr. Agostinho Vieira e o mestre José Marques da Silva, de alcunha "o Marumba", aos Estaleiros da Carnave em Aveiro, buscar a lancha "Quebramar", mas devido às condições da barra de Aveiro não serem as melhores nesse dia, na opinião dos nossos colegas, tivemos de regressar a Viana do Castelo.
Fizemos a viagem de combóio. Saímos cerca das sete horas da Estação de Viana do Castelo com destino ao Porto, onde teríamos de mudar de combóio para Aveiro. Até ao Porto foi uma viagem em que o combóio parou em todas as estações e demorou cerca de duas horas e meia. Do Porto a Aveiro a viagem foi relativamente rápida, com uma pequena paragem na estação das Devesas em V. N. de Gaia.
Mais tarde fizemos nova tentativa para trazer a lancha "Qquebramar" para Viana, desta vez coroada de êxito, apesar de algumas peripécias. Era dificil conciliar a pilotagem com o transporte por mar da lancha e com as condições meteorológicas. Estavamos em fins de Setembro quando na costa ocidental de Portugal e especialmente na zona Norte se começa a fazer sentir alguma instabilidade em termos de ondulação prejudicando a navegação de uma embarcação de pequeno porte, como é o caso da lancha de pilotagem.
Desta vez não arriscamos a ir de combóio. Alugamos um táxi. O tempo era escasso e tinhamos de estar em Viana do Castelo no dia seguinte cerca das quinze horas para dar saída a dois navios no colo da preia-mar, não podia haver atrasos, de contrário os navios não saíriam, o que seria grave e da responsabilidade do Departamento.
Almoçamos em Aveiro e depois de contactarmos por VHF(aparelho de comunicação em Very High Frequency) com os nossos colegas da barra de Aveiro, largamos do cais da CARNAVE e rumamos para a barra. O colega Peixoto, piloto da barra de Aveiro que estava de serviço, habituado a sair e entrar inúmeras vezes nas mais adversas condições de tempo e mar, orientou-nos na saída, mas antes fizemos um compasso de espera aguardando pelo ensejo para zarparmos de Aveiro. Enquanto aguardavamos, recomendou-nos que fechassemos todas as portas e escotilhas por onde o mar pudesse entrar.
Avancem agora a toda a força. - Avisou ele e lá seguimos com o mar a partir pelo Norte e pelo Sul nos baixios que contornam a barra de Aveiro.
Esta é das grandes Agostinho! Avisava o Zé "Marumba", homem habituado e calejado nas lides do mar desde pequeno. Nasceram-me os dentes no mar, costumava dizer em tom de brincadeira, mas desta feita não brincava porque a vaga era de respeito. Ainda mal tinha acabado a frase já uma montanha de água tinha desabado sobre a lancha, inundando tudo e escoando-se pela borda deixando um rasto de areia que trouxe consigo.
Agarre-se sr. Martins que lá vem outra, não fale agora! - Recomendava o chefe Agostinho, avisando-me, enquanto eu pousava no descanso o microfone do VHF e mal tinha tempo de me agarrar ao corrimão de acesso à casa da máquina.
Está tudo bem? - Perguntava o Peixoto pelo VHF. Ainda mal refeito do susto e a cambalear até ao microfone do VHF, lá respondi afirmativamente.
Já passaram o pior, daí para oeste está limpo, boa viagem e boa entrada em Viana. - Dizia o colega Peixoto. E lá rumamos alguns minutos em direcção Oeste até nos livrarmos dos baixios e sentirmos o mar mais calmo. O sr. Agostinho pegou no leme enquanto eu e o mestre Zé limpávamos a areia que as ondas deixaram no convés.
Revezamo-nos ao leme, navegando para Norte à vista da costa, até que por alturas do Furadouro fomos surpreendidos pela névoa e começamos a entrar por ela dentro como se estivessemos a entrar num túnel. A lancha, incompreensívelmente, não tinha sido equipada com radar.
E agora Agostinho? - inquiria o "Se Zé", como habitualmente o chefe o tratava, por ser mais velho que ele.
Agora continuamos a navegar para norte, pode ser que a névoa se dissipe, veremos o que acontece. - Assim falava o chefe, piloto experiente da barra de Viana, com tarimba nos mares gelados da Terra Nova e Groenlândia.
Pode ser que seja do rio "Se Zé", (referia-se à névoa que normalmente se forma nas embocaduras dos rios) estamos perto da foz do rio Douro. - Animava o piloto-chefe Agostinho. De facto, daí a um pedaço, estaríamos um pouco pelo norte de Espinho, começamos a encontrar à tona de àgua detritos diversos, pequenos pedaços de pau, sacos e embalagens de plástico, arrastados pela corrente de vazante do rio Douro.
Estou a ouvir uma sirene pela amura de Estibordo! - Disse eu, espevitando a curiosidade dos dois que assomaram à porta da lancha para escutar.
É o farol da Boa Nova, "Se Zé" proa nele, vamos para Leixões. - Assim ordenava o chefe , enquanto conversava comigo acerca da decisão a tomar, se dormirmos em Leixões ou seguirmos para Viana.
Falamos com os Pilotos de Leixões, com o Comandante Barraca, chefe do Departamento de Pilotagem dos Portos do Douro e Leixões, que nos ofereceu dormida nas instalações do Departamento e nos recomendou uma pausa para descanso. Aproveitamos para fazer alguns telefonemas para Viana a indagar da situação dos navios com saída prevista para o dia seguinte e se entretanto alguma agência anunciara movimentos. Tivemos que fazer vários telefonemas para as agências, por não haver outro contacto possível.
Convém referir que no Departamento de Pilotagem do Porto de Viana do Castelo não se encontrava ninguém, porque estavamos os três e únicos elementos a bordo da lancha. Nessa altura o Departamento não tinha funcionário administrativo, o que só viria a acontecer muitos anos mais tarde, em 1990 quando foram inauguradas as novas instalações.
No dia seguinte, ainda persistia a névoa do rio, mas o tempo urgia, era necessário partir para chegar a tempo da maré a Viana. Por sugestão de um piloto de serviço, que não me ocorre o nome, seguimos na popa da lancha dos pilotos de Leixões, que ia levar piloto a um navio de entrada, porque pelo Norte o tempo estava claro.
Quando saímos do "túnel"de nevoeiro, o tempo estava radioso com o mar sereno e navegamos a toda a força até Viana com a costa à vista, encurtando caminho passando por cima dos baixos da Eira, situados ao sul do Porto de Viana do Castelo,(não recomendáveis passar em situações de mar e tempo adverso, especialmente dos quadrantes Oeste e Norte) mas o mar estava calmo e o tempo escasseava para dar saída aos dois navios.
Quando chegamos ao costado dos navios para verificarmos o calado (parte do navio submersa), operação rotineira do piloto, constatamos que os dois navios apresentavam maior calado que o previsto, o que complicava a saída dos dois navios pelo mesmo piloto, o sr. Agostinho (eu era ainda estagiário e segundo o regulamento não podia nem devia efectuar serviços).
Ó sr. Martins, é capaz de sair com o "Musquetier II"? - Perguntou o sr. Agostinho, espectante.
Claro. Não tenho problema (eu estava há mês e meio a tirocinar, mas já efectuava algumas manobras com a supervisão e acompanhamento dele), vamos a isso.
Então vamos fazer assim, eu vou na sua frente e você larga depois de mim. - Assim procedi e foi desta forma que pilotei o primeiro navio sózinho muito antes de terminar o estágio.