Blog que retrata os acontecimentos do mar e porto de Viana e arredores, nos bons e maus momentos, dos pequenos aos grandes senhores.

28
Abr 07

 

Floreiras revestidas de cacos velhos

 

 

Outrora era vulgar as pessoas ornamentarem os muros, pavimentos, floreiras , etc , com bocados de cacos partidos que iam coleccionando para colorirem à sua maneira as casas.

Os tempos eram outros, a vida era difícil e não havia dinheiro para azulejos ou mosaicos nem sempre ao alcance de todas as bolsas.

 

 

Floreira direita

 

 

As pessoas de menos posses aproveitavam tudo, a louça que partia era aproveitada para decorar a parede da casa ou o muro do jardim nas horas vagas com um pouco de cimento que pediam ao empreiteiro duma obra em construção no bairro.

 

 

Floreira esquerda

 

Por vezes, para ladrilhar o pátio ia-se ao marmorista pedir restos de mármore com que se revestia o chão misturando com argamassa grossa, restos de uma placa (lage ) que um vizinho fez num anexo. Antes já se tinha falado com o vizinho pedindo-lhe as sobras, em segredo, porque havia muitos interessados.

 

 

Outra floreira garrida

 

 

A policromia dos materiais contrasta com o branco das paredes caiadas e confunde-se com o colorido das flores e folhas das plantas do jardim durante a Primavera e o Verão. No Outono e Inverno em que a natureza está triste, amenizam e alegram as modestas casas.

É típico dos bairros operários mais pobres este tipo de adornos nos muros dos jardins e remontam ao período do pós guerra até ao fim da guerra colonial / revolução de Abril.

 

 

 

 

publicado por dolphin às 23:04

11
Abr 07

Na minha aldeia ainda se mantém vivas as tradições pascais.

Já lá vai o tempo em que menino e moço, calcorreava as veredas e os caminhos tortuosos dos lugares recônditos da minha aldeia, badalando a campainha na frente do compasso pascal. Anos mais tarde, mais maduro, era-me dado o privilégio de ser o portador da caldeirinha da água benta que o sr . Prior utilizava para benzer as pessoas e as casas.

Acabada a missa da manhã, na sacristia da capela da N. Sra. das Necessidades, padroeira da aldeia, procedia-se à tarefa de equipar os participantes nomeados pelo sr . Prior, dos paramentos e utensílios próprios da solenidade, a campainha era atribuída ao rapazote mais novo, a seguir era o rapaz da caldeirinha, depois o homem das oferendas ou dos ovos (porque nesse tempo as ofertas dos paroquianos para o sr . Prior eram feitas em ovos), o paroquiano mais idoso  do grupo e mais considerado na aldeia era o escolhido pelo sr . Prior para transportar a Cruz e dá-la a beijar aos paroquianos. Uma opa geralmente de cor rubra ou branca, constituía a indumentária dos folareiros (assim chamados por serem  os cobradores do folar do sr . Prior), por fim o sr . Prior munido de um saco de amêndoas para as crianças e dum maço de santinhos com orações para dar às moças casadoiras.

Por caminhos e calçadas, subindo e descendo outeiros, atravessando ribeiros e corgos de água cristalina, por entre quintais adentro, subindo as escadas de xisto comido pelos tamancos e chancas ferradas dos aldeões, entrando e sujando de lama as casas de soalho lavado com sabão amarelo e encerado pelas mãos fortes das donas de casa, na véspera ou antevéspera, calcando as folhas e flores cheirosas, propositadamente colocadas nas casas para sinalizar a entrada e em louvor do Senhor, o compasso Pascal ia progredindo.

A volta da manhã era mais curta, os lugares de cima (que ficavam situados acima da capela) tinham menos fogos que os lugares de baixo, apesar do trajecto ser mais acidentado, mas por outro lado os intervenientes estavam ainda com destreza nas pernas e ansiavam por chegar mais depressa a casa do tio Martins ( tio do meu pai ) onde decorria o almoço.

O tio Martins fazia questão de presentear o sr . Prior e comitiva pascal com um lauto banquete pascal, constituído por canja de galinha, rojões, vitela e cabrito assado no forno, rematado por sobremesa de leite creme, arroz doce e pão de ló tudo bem regado com o melhor vinhão da pipa, servido em jarros de porcelana branca para avivar a cor do precioso néctar , previamente provado na adega pelos homens da casa, enquanto as mulheres se atarefavam na cozinha, deitando as assadeiras de carne ao forno e as raparigas queimavam o creme com a pá de ferro.

Era uma tradição que tinha herdado dos seus antepassados e que à hora da morte do pai lhe prometera manter e passar aos seus descendentes, ufanava-se de referir aos presentes, contando histórias antigas passadas com outros padres e folareiros . Quando o padre era novo na terra ou se tratava de um seminarista então as histórias eram mais demoradas tinham de ser contadas com todos os pormenores. Nós, os mais novos, aturávamos estes contos , por respeito e consideração, mas desejosos de nos levantarmos da mesa e desentorpecer as pernas de tanto tempo sentados. Como eu era da casa, arranjava um pretexto para ir a minha casa, ali ao lado, muitas vezes para avisar que já tínhamos terminado o repasto.

A casa dos meus pais era a seguinte, mas quando se tratava de um padre novo ou então o meu pai queria sair de tarde, pedia ao sr . padre para fazer a visita antes de irmos almoçar, pois já sabia da palestra do tio depois do almoço.

A volta da tarde apesar de ter um trajecto mais plano e a descer em algumas partes, era de longe o que custava mais, não só porque tinha mais casas para visitar como também já pesava a barriga e a cabeça estava um pouco tonta dando azo às histórias que no ano seguinte se contavam. Não era o meu caso porque nesse tempo ainda não estava autorizado a beber vinho, mas que alguns cambaleavam um pouco isso por vezes sucedia, fruto da conversa e lá vai mais uma pinga, para amaciar a garganta seca.

Com algumas nuances próprias da modernização ocorrida ao logo destes quase cinquenta anos da minha vida, as tradições pascais não se alteraram muito.

Mantenho a tradição de passar a Páscoa em família por uma questão de unidade e saudade. Unidade para manter unida a família e dar o exemplo aos meus filhos e aos netos, para conviver com os restantes elementos da família, mãe, irmãos, sobrinhos e manter acesa a chama das origens que é muito importante. Saudade para reviver os tempos idos da mocidade, para rever vizinhos e amigos que como eu mantêm a tradição de passar as festas Pascais na terra natal.

 

publicado por dolphin às 00:27

06
Abr 07

Mais uma vez Daniel Campelo nos surpreende com a sua forma de estar na vida e fazer política -frontal e objectivo.

A falta de civismo não é de agora, é cultural e ancestral, não nos respeitamos, como havemos de respeitar o próximo? Não respeitamos o privado, como havemos de respeitar o público?

Vandalizam-se os edifícios públicos, os lugares de todos, não se respeita nada nem ninguém em nome duma liberdade que não é liberdade mas libertinagem e arrogamo-nos em democratas como se donos de uma cultura democrática que não tivemos e estamos longe de ter.

Nos países Nórdicos e não só, onde a cultura cívica faz parte da identidade cultural e cívica de cada cidadão, seria impensável cometer as atrocidades e atentados cívicos que diariamente vemos nas ruas e edifícios das nossas cidades, vilas e aldeias.

Costuma-se dizer que "quem não deve não teme". Porquê temer por este grito de alerta dum autarca que tem provado e demonstrado sobejamente que é um defensor dos mais elementares direitos dos cidadãos, do património da sua terra, do ambiente, da cultura.

Gosto muito de Ponte de Lima e vou lá amiúde, admiro a coragem deste autarca e o seu trabalho em prol da sua terra e das suas gentes. Esta é mais uma medida na defesa daquilo que é mais sagrado para todos nós, o meio ambiente, a natureza, tudo o que fizermos em sua defesa não será demais.

O slogan poluidor pagador nunca esteve tão bem aplicado como neste caso. Só tem a temer quem não é cumpridor, quem julga que pode fazer lixo sem pagar.

Espero que os feirantes estejam incluídos neste processo, eng.º Daniel Campelo, porque eles são os maiores poluidores nos dias de feira. Aliás as feiras são das maiores fontes poluidoras das nossas vilas e aldeias. A quantidade de sacos de plástico, de papéis, de detritos diversos que ficam no final das feiras custam bastante às autarquias onde elas se realizam. Será que nos dias de hoje elas se justificam?

Bem sei que Ponte de Lima, como outras localidades deste país devem muito às feiras, a minha terra tem origem numa feira, porém, temos de nos adaptar aos tempos que são de mudança.

E como o convite "Em Ponte de Lima seja Limpo ou vá-se embora", é um convite à mudança nos nossos hábitos primários e essenciais para a preservação da qualidade de vida, que essa mudança seja para todos e não só para alguns, os que estão sempre a pagar.

publicado por dolphin às 19:01

02
Abr 07

O KAPRELA, era um arrastão de pesca Búlgaro  que teve um incêndio a bordo quando se encontrava na faina da pesca. Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo enviaram peritos para elaborar um orçamento de reparação e ganharam o concurso tendo o navio vindo para Viana do Castelo rebocado por um outro navio de apoio à frota, um navio-fábrica-mãe, como eram vulgarmente chamados este tipo de navios.

As frotas Soviéticas e Búlgaras tinham estes navios de apoio que não só  abasteciam de combustível, como também forneciam provisões, mantimentos,mudanças de tripulações, prestavam apoio hospitalar e ao mesmo tempo recebiam pescado dos navios que processavam e transformavam a bordo, daí o serem apelidados de navios mãe porque forneciam as coisas necessárias aos navios (filhos) e também operavam o peixe a bordo preparando-o para o mercado tal como numa fábrica  (conservas, filetes).

Estas frotas que operavam em mares distantes do porto de armamento, possuiam também outros navios de apoio, como navios-doca, utilizados para reparar os arrastões no alto-mar, evitando a deslocação a um porto estrangeiro (na maioria dos casos por impedimento de relações diplomáticas) e também como medida económica.

No caso do Kaprela, após o incêndio ocorrido e depois de tomada a decisão da reparação em Viana do Castelo, foi utilizado como rebocador um desses navios-fábrica-mãe de que não me ocorre o nome. A forma de rebocar utilizada foi de braço-dado, isto é, em vez de estabelecer um cabo de aço pela popa, como normalmente é efectuado um reboque em alto-mar, os Búlgaros e Soviéticos, utilizavam muito este sistema, em parte devido à potência do navio que reboca ser grande e também por possuirem boas defensas que normalmente utilizam na atracação dos arrastões durante as operações de transbordo.

Os dois navios encontravam-se a pairar em frente a Viana do Castelo a cerca de duas milhas (3,5 Km). A lancha de Pilotos aproximou-se do costado do navio pelo lado de estibordo, onde se encontrava montada a escada de quebra-costas de acesso ao navio. O embarque foi moroso e difícil devido ao vento e mar de Noroeste e ao mau posicionamento dos navios relativamente ao mar, não permitindo um abrigo adequado por forma a possibilitar o embarque do piloto em segurança. Por outro lado, a dificuldade de comunicações com os Búlgaros,(devido à fala) tornava mais difícil um entendimento capaz de posicionar o navio adequadamente (era frequente este cenário entre os navios de pesca oriundos dos países de Leste). 

Embarquei com o Bastião (piloto estagiário nessa data). Quando chegamos à ponte de comando após um percurso acidentado e fantasmagórico pelo interior do navio às escuras, suspiramos de alívio. O vento assobiava por entre as janelas da ponte, abertas e partidas em resultado do intenso calor provocado pelo fogo. As chapas retorcidas e oxidadas em tons avermelhados apresentavam formas algo estranhas.

A operação de desamarrar o Kaprela do navio-fábrica-mãe foi demorada e complicada. Os navios estavam bem amarrados e separados por  grandes defensas  de borracha do tipo Yokohama para não roçarem um no outro. O tempo escoava-se rápidamente e perdeu-se a maré para entrar com o navio para os Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Por fim, após três longas horas de trabalho àrduo e arriscado, o Capitão do navio rebocador deu por terminada a operação num tom de alívio.

O pior estava para vir, é que mais uma vez devido às dificuldades de entendimento linguístico, fui informado pelo mestre do rebocador da prôa , "Monte Crasto", que não tinha sido ainda estabelecido o cabo de reboque. O navio estava solto, à deriva, sem qualquer força de tracção a sustê-lo do impacto do vento forte que se fazia sentir do quadrante Norte e que nos entontecia a cabeça com o sibilar intenso, coado por entre as frinchas das janelas desprotegidas de vidraças da ponte de comando.O vento arrancava das chapas queimadas o òxido de ferro que penetrava nas nossas narinas e nos olhos, inebriando-nos dum cheiro a queimado que entontecia as nossas cabeças.

Por fim o mestre do "Monte Crasto" anunciava pelo V.H.F. (aparelho de comuniação em Very High Frequency - Muito Alta Frequência) utilizado nas manobras, para comunicação entre os intervenientes:

- Está estabelecido sr. piloto!

- Ok, mestre. Puxe na direcção do molhe !

- À popa também está passado, informava o mestre do rebocador "Vandoma", que tinha acabado de estabelecer o cabo de reboque à popa do navio "Kaprela".

Finalmente a caminho da entrada. Tinham-se passado quase cinco longas horas de espera e sofrimento, de angústia também e de algum pesadelo, pela impotência que em alguns momentos pairou no meu espírito.

O navio tinha perdido a maré para entrar na zona dos Estaleiros. A única solução que restava era entrar para a zona do Cais Comercial, com fundos suficientes para receber o navio. Mas o cais estava cheio de navios em operações de carga e descarga e também quatro arrastões atracados  par a par. A única solução era atracar o navio às bóias de amarração posicionadas na parte Leste da bacia com o objectivo de amarrar navios de longa permanência a aguardar trabalhos de reparação.

A manobra de amarrar às bóias é uma manobra bastante demorada e que implica largar os dois ferros (âncoras). Na minha cabeça, massacrada de tanto vento e toldada pela poeira, idealizava a melhor forma de comunicar com os marinheiros Búlgaros, para lhe transmitir as ordens a executar para o sucesso da manobra e no menor tempo possível, dentro das limitações de comunicação existentes.

Tinham-se passado oito horas desde o embarque, finalmente o Kaprela estava amarrado em segurança.

Desci a escada de piloto, mais morto que vivo, como se costuma dizer, e a lancha afastou-se  do navio, cuja silhueta recortada na paisagem nocturna da cidade, sem luzes, mais parecia a silhueta dum fantasma.

Obs: O Kaprela , entrou no dia 10 de Abril de 1986, esteve em reparação quinze meses. "deu àgua pela barba", aos técnicos dos ENVC e também um grande prejuízo e por fim saiu em 13 de Junho de 1987.

 

publicado por dolphin às 19:17

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