Para o homem do mar os faróis são auxiliares importantes e fundamentais, especialmente na navegação costeira, na aproximação a terra e na demanda dos portos.
Ao longo da minha vida ligada ao mar, quer enquanto tripulante quer como piloto da barra, os faróis tiveram uma importância relevante e determinante, por isso quis testemunhar o meu apreço, pintando-os.
QUADRO 10
Farol de Aveiro
Óleo s/ tela - 40X33
2002-11-14
Este quadro foi oferecido para ser leiloado a favor de uma obra meritória de que não posso nem devo revelar o nome e desconheço quem o adquiriu mas agradeço a quem tiver ficado com ele.
Extraído da Lista de Faróis de 1960
Desde pequeno que este farol me fascina. Primeiro pela altura, é o mais alto de Portugal em estrutura, depois pelas histórias que me contaram relativas aos naufrágios ocorridos na barra com o mesmo nome e que me ocorre uma alusiva à inauguração em 1906.
Vivia na praia da Barra nos finais do sec.XIX princípios do sec. XX, um nadador-salvador, de quem não me ocorre o nome, famoso pelos inumeráveis salvamentos de pessoas, vítimas de naufrágios que ocorreram na entrada da barra de Aveiro.
Este homem de forte estatura e compleição física invulgar, prestou serviço militar na Armada e foi subordinado do Rei D. Carlos I, então 1º ou 2º tenente de Marinha, daí lhe ter advindo o cognome de rei marinheiro, pela dedicação e gosto pela actividade de oceanografia/hidrografia que desenvolveu com trabalhos muito importantes nestas áreas.
Quem veio inaugurar o Farol de Aveiro foi o rei D. Carlos I que aproveitou a ocasião para condecorar o intrépido nadador-salvador pela sua acção em defesa da vida humana dos homens do mar. Conta quem presenciou a cerimónia que o "gigante" e destemido marinheiro abraçou o rei, que também era bem constituído, dizendo: - Olá Carlos, como passas? As pessoas presentes ficaram estupefactas e surpresas perante tão à vontade do nadador para com o rei e o caso foi falado nas redondezas por muito tempo e o respeito que já tinha ficou mais fortalecido com este acontecimento.
O "nosso herói" gabava-se de nunca ter ido a um médico nem ter uma dor de cabeça em quase cem anos de vida. O "mata-bicho"(pequeno almoço)dele era um "marquês"(medida equivalente a 1/4 de litro) de "cachaça"(aguardente de bagaço) que bebia de um trago.
Não tinha descendentes directos, creio mesmo que era solteiro, vivia com uma sobrinha nos últimos anos da sua longa vida. Costumava-se levantar muito cedo, logo ao alvorecer, era o primeiro a chegar à taberna onde o taberneiro lhe servia o mata-bicho habitual, sem necessidade de pedir. Um dia a sobrinha estranhou o tio não se levantar e, preocupada, foi indagar o que se passava e deparou com o tio na cama.
Está doente tio? - perguntou. Não sei o que tenho rapariga, respondeu o tio numa voz rouca e abafada, deixando a sobrinha ainda mais preocupada. Onde estava a altivez e postura autoritária do tio a que se habituara ao longo dos anos de convivência?
Perplexa,sem saber o que fazer, levou o tio ao médico. Este auscultou e perante a informação da sobrinha que o tio gostava de beber, especialmente de manhã tomar o mata-bicho, proibiu de tal abuso especialmente nessa idade.
O homem veio para casa ainda pior do que entrou no consultório do médico, não se conformando com tão drástica receita e fazendo menção de não cumprir o estipulado pelo médico. A sobrinha a muito custo conseguiu mentalizá-lo que tinha de cumprir para bem dele. De dia para dia o homem ia piorando e a sobrinha não resistiu ao último pedido.
Rapariga, a última coisa que te peço é que me vás comprar uma garrafa de cachaça para eu me consolar. - A sobrinha não conseguiu dizer não ao tio e foi à taberna comprar a tão desejada como nefasta aguardente.
O velho marinheiro bebeu sofregamente a tão almejada quanto benéfica droga (para ele) e, para espanto da sobrinha começou a melhorar de dia para dia e a partir do terceiro dia retomou os seus hábitos normais passando todas as manhãs a ir à taberna beber o "marquês" de "cachaça", como o fizera em toda a vida.
Morreu no ano em que fazia cem anos não chegando a festejar a data.
Para além desta história que ouvi contar a um grande homem que influenciou muito a minha decisão de optar pela vida do mar, o Capitão Manuel Ferreira da Silva (Sardo), o farol de Aveiro tem para mim outro significado. Grande parte da minha vida de embarcado foi passada em navios da praça de Aveiro, como tal, quando regressava de viagem, o primeiro ponto de contacto era o farol e por isso o considero um dos faróis da minha vida.