Ao fim de dois anos na E. Náutica na Rua do Arsenal, terminava o chamado Curso Geral de Pilotagem. Esperava-me agora a vida profissional a bordo dos navios.
Após uns dias na capital para ultimar os preparativos com vista a obter a cédula marítima (espécie de passaporte que me iria permitir embarcar em qualquer navio da marinha mercante portuguesa), fui passar uns dias à terra.
Tive a sorte pelo meu lado, quando no dia 15 de Agosto de 1969, na Borralha , perto de Águeda , juntamente com uns amigos de Lisboa, tivemos um acidente. O carro em que seguíamos , bateu noutro que estava estacionado na berma da estrada, capotou e apesar do aparato ficamos ilesos, com excepção do motorista que teve de ir ao hospital onde lhe foi diagnosticada uma entorse no pé esquerdo que ficou preso no pedal do travão.
Depois de umas férias curtas na terra, havia que regressar a Lisboa afim de preparar o embarque no N /M Ganda " da Companhia Colonial de Navegação, o navio-escola " da companhia no dizer do segundo piloto Orlando Lopes, que me recebeu a bordo com muita amizade e cordialidade, pondo-me à vontade e presenteando-me com um jantar numa marisqueira em Algés. Jamais esquecerei esta faceta da minha vida e o Orlando Lopes a quem perdi o rasto e não mais consegui contacto.
Junto ao Ganda em Moçâmedes em 1971
O Comandante era o Armando Artur Soares Machado, que vinha de exercer as funções de 2º. Comandante do "Santa Maria", paquete que a companhia inicialmente me havia destinado, mas que eu recusei. O Imediato era o Armando Vicente e o contramestre era o algarvio Maio. Havia um fiel do porão nº 4, de nome Henrique, natural de Peniche que fazia quarto de navegação comigo. Outros havia que tenho presente a fisionomia mas que não consigo associar o nome. Foram duas viagens a África maravilhosas e que constituíram o meu baptismo de mar.
A Madeira
Depois de irmos a Leixões onde carregamos calçado e vinho, voltamos a Lisboa terminar o carregamento.
À saída de Lisboa o comandante traçou rumo para o Funchal. Ninguém sabia deste pormenor excepto o comandante, porque estávamos em tempo de guerra (Guerra do Ultramar ou colonial) o navio transportava material bélico e o convés estava repleto de tambores de gasolina para aviões, altamente inflamável.
Passado Porto Santo, de imediato se avistou a ilha da Madeira e poucas horas depois desfrutava a bela paisagem da cidade do Funchal que me ficou na retina para sempre.
A razão do desvio da nossa rota era o abastecimento de nafta (combustível do navio) que habitualmente era feito em Las Palmas de Gran Canária mas que nesta viagem fora estrategicamente determinado ser feito no Funchal por motivo de segurança.
Com pena deixamos o Funchal pela popa. A estadia (tempo em porto) foi curta, somente o necessário para abastecer. Mal deu para escrever um postal e ir ao correio depositá-lo.
Durante a noite, revelou-se a minha inexperiência, no momento em que comecei a ver cair faúlhas no convés que se mantinham incandescentes alguns segundos por sobre os bidões de gasolina.
Que fazer?
Esta questão martelava a minha cabeça incessantemente, sem encontrar resposta adequada. A minha posição a bordo era naturalmente de praticante de piloto de 1ª viagem (trancas), como se diz em linguagem marítima, sem qualquer função responsável, mas subordinado e sob a responsabilidade do capitão do navio. Fazia quarto com o capitão que era o meu tutor de estágio e por isso nada fazia sem lhe dar conhecimento.
A solução estava encontrada, havia que chamar o comandante e ele decidiria o que fazer ou não fazer perante esta situação que à minha vista e na minha ignorância aparentava ser perigosa.
Senhor Comandante pode chegar à ponte! - O comandante estava sentado no camarote a ler, mesmo ao lado da ponte e veio imediatamente logo que o chamei.
Não foi preciso descrever-lhe o que se estava a passar. Observou preocupado as faúlhas que continuavam a cair nos bidões por vante da ponte, impelidos pelo vento do quadrante norte que soprava da popa. Passado pouco tempo dirigiu-se à casa de navegação e traçou rumo a passar por fora das Ilhas Canárias.
Governa a 220º. - Disse para o timoneiro (marinheiro do leme).
Durante algum tempo observou o movimento das faúlhas que começaram a cair na água pelo lado de bombordo (lado esquerdo relativamente ao movimento do navio) apagando-se em contacto com a água.
No dia seguinte o vento abonançou e mudou de direcção possibilitando restabelecer o rumo em direcção ao Cabo Verde, ponto tangencial da nossa rota em direcção a Angola.