LUGRE "RIO LIMA"
Em 12 de Setembro de 1919 o jornal "A Aurora do Lima" fazia referência ao início da construção do lugre "Rio Lima", destinado à pesca do bacalhau nos mares da Terra Nova para a Parceria de Pescarias de Viana. O Rio Lima era o terceiro navio daquela empresa construído para esse efeito, em resultado do cumprimento do plano inicial de aquisição de três navios que só agora foi possível pôr em execução devido à guerra.
O lugre "Rio Lima" foi construído nos estaleiros da Parceria, no Largo 5 de Outubro e lançado à água no dia 22-01-1920, cerca das 15:20 horas perante numerosa assistência vinda dos mais recônditos locais de Viana e arredores, como era hábito em acontecimentos semelhantes.
Este belo navio foi construído sob orientação do mestre construtor naval sr. José Lopes Ferreira Maiato e tinha como características principais: Tonelagem de arqueação bruta 317,33 tons; tonelagem de arqueação líquida 264,42 tons; comprimento entre perpendiculares 48,00 metros; boca (1) 9,80 metros; pontal (2) 4,47 metros e alojamentos para 41 tripulantes.
A curiosidade que despertava nas pessoas o lançamento à água de um navio novo, especialmente para a pesca do bacalhau, como nos dá conta "A Aurora do Lima", é disso digno de registo "... fez com que em toda a margem, desde a Alfândega até à doca, os caes se coalhassem de gente da cidade e das aldeias próximas, e no rio uma grande porção de barcos que vogavam cheios de espectadores concorria para a bellesa d'aquelle espectáculo sugestivo e brilhante, que oxalá repetisse por muitas vezes".
Estes eventos, importantes na vida de uma empresa, eram aproveitados para festejar com autoridades, amigos e trabalhadores, que de uma forma ou de outra contribuíram para o processo, trocando impressões uns, outros dando largas à sua fogosidade e animação num convívio retemperador de energias para novas tarefas.
O momento do bota- abaixo é sempre precedido de alguma expectativa e ansiedade, mas, logo que se cortam as amarras que prendem o navio ao berço que o viu nascer e crescer, e o volume inerte desliza nos carris e mergulha nas águas calmas do Lima, estralejam os foguetes, as businas e apitos dos navios surtos no porto vibram incessantemente; assobios, palmas, clamores de alegria soam por todo o lado onde as pessoas se amontoam para ver tão importante como estranho fenómeno para muitos um "milagre", tão incrédula é a sua visão.
Um acontecimento desta natureza numa cidade da província onde tão poucas coisas dignas de monta acontecem, é sempre aproveitado para comemorar com "opíparo" banquete, como aconteceu com o lançamento à água do lugre "Rio Lima".
A casa da D. Anna Malheiro Pitta de Vasconcellos, contígua ao estaleiro, por gentileza desta senhora, foi aproveitada pela Parceria, para oferecer um lanche que foi muito concorrido por grande número de pessoas da mais alta sociedade Vianense que aos brindes dos srs. Dr. Jesus Araújo, Rodrigo de Abreu e Lima e Álvaro de Araújo desejaram as maiores prosperidades à Parceria e ao comércio em geral, agradecendo no final, em nome da empresa o sr. João Baptista Ferreira.
Terminado o lanche, nos escritórios da firma, que ficavam situados nos baixos do prédio onde este decorreu (3), foi inaugurado um "... excellente retrato do nosso ilustre amigo sr. dr. Gaspar Teixeira de Queiroz, integérrimo Juiz de Direito, que foi sem dúvida alguma, a alma mater da creação d'aquella sociedade mercantil.",como refere o "A Aurora do Lima" de 23-01-1920.
A apologia do ilustre homenageado foi feita pelo gerente da Parceria o sr. João Baptista Ferreira, também ele um fundador, enaltecendo as qualidades morais e o dinamismo e empenho que o homenageado devotou a Viana do Castelo e ao seu crescimento e engrandecimento (4).
Neste acontecimento tão importante para os Estaleiros, Parceria de Pesca de Viana e para a cidade, não podiam ficar de fora os principais intervenientes, os que deram corpo e forma a tão belo como robusto navio, dando o melhor do seu saber e do seu esforço, quantas vezes suportando riscos que a profissão comporta, que são os trabalhadores.Também para eles houve reconhecimento da Parceria que na carpintaria dos Estaleiros mandou montar uma longa mesa, onde coubessem todos, belíssimamente decorada e onde não faltou comida com abundância para todo o pessoal.
Para rematar tão brilhante festa, que movimentou muita gente na cidade, especialmente a Confeitaria Brasileira, que serviu o banquete, realizou-se nas salas do palacete, uma animadíssima e concorrida festa onde se dançou até cerca das três horas da madrugada.
Eram assim naquele tempo os "bota-abaixo" dos navios da Parceria, que primava e fazia jus em assinalar de forma impressiva tão importantes datas.
Glossário:
(1) Boca - largura máxima
(2) Pontal - altura da quilha ao convés
(3) Local onde se situa actualmente o restaurante "Casa de Armas"
(4) O Dr. Gaspar Teixeira de Queiroz era natural dos Arcos de Valdevez
Fontes:
"A Aurora do Lima": 12-09-1918;23-01-1920
Viana do Castelo, 2010-05-07
Manuel de Oliveira Martins