ONDE ESTAVA NO 25 DE ABRIL (2)
St. John´s é o porto mais conhecido e acarinhado pelos pescadores portugueses da pesca do bacalhau. Fica situado na península de Avalon na ilha da Terra Nova. É uma baía ampla, capaz de albergar uma frota como a «frota branca»[1] noutros tempos e protegida das intempéries, com uma abertura profunda e estreita entre dois montes. Pela sua posição central relativamente aos pesqueiros, e pela segurança que oferece, os capitães dos navios bacalhoeiros portugueses e doutras nacionalidades preferem-no, devendo-se por tal motivo o seu desenvolvimento.

Em consequência dos acontecimentos ocorridos a bordo do S. Jorge, como tivemos ocasião de descrever anteriormente, o navio teve de arribar a St. John´s para abastecer de víveres e meter um ajudante de cozinha, necessário para ajudar o pessoal da cozinha nas tarefas redobradas da preparação das refeições nos moldes estabelecidos pelo capitão – sopa, prato de peixe, prato de carne e sobremesa – para toda a tripulação, de cerca de setenta homens.
O navio permaneceu em St. John´s uma semana, a ultimar estes preparativos para não ter que interromper a pesca, o que permitiu ao pessoal telefonar para as famílias e inteirar-se do que se estava a passar em Portugal.
Saímos de St. John´s para a pesca diretos ao pesqueiro Banquereau que fica na costa da Nova Escócia, onde se situa o porto de Halifax, outrora utilizado pelos navios portugueses quando operavam naquela zona.
Na viagem de navegação, um pescador que ía ao leme, disse-me convicto: -Sr. Imediato, isto agora vai mudar, a minha mulher disse-me que os pobres vão passar a ser ricos e os ricos vão ter de dar aos pobres, quem me dera estar lá agora. Estou desejoso que a viagem termine para chegar a Portugal. Só tenho medo de chegar tarde e outros apanharem tudo!
Ah! – disse eu, curioso para saber mais, e perguntei?
- Então como é que isso vai ser feito? Também estou interessado!
Esta era a ideia que ocupava a mente da maioria dos pescadores, distorcida da realidade pela boca dos familiares, que gerou entre as tripulações dos navios que se encontravam na faina, confusão e ansiedade.
A ameaça da aproximação de um ciclone, levou os três navios da pesca à linha, de arribada[2] para o porto francês de Saint Pierre, na ilha do mesmo nome situada na foz do rio S. Lourenço, outro porto querido das tripulações portuguesas, por ser mais latino.
Passados dias, o ciclone passou mais pelo Norte, rumo ao Labrador e era tempo de regressar à pesca. A permanência em terra durante quase uma semana permitiu o contacto com as famílias, como habitual e salutar, mas também se notou a influência política, a perturbar a unidade do grupo, tornando-os confusos e ansiosos e não esclarecidos.
Uma fação não queria sair para a pesca mas pretendia que o navio fosse direto para Portugal, enquanto outra, minoritária em relação à primeira pretendia continuar a pescar, invocando o sustento das famílias. Neste confronto se mantiveram sem chegar a acordo. O piloto da barra chegou a vir a bordo para dar saída ao navio por 13 vezes e da última vez afirmou que enquanto não houvesse um consenso para sair não viria a bordo. O capitão e restantes oficiais eram impotentes perante tal situação e temiam o pior, um confronto físico entre os grupos. Fui encarregado, devido à minha função, de tentar apaziguar os ânimos e encontrar uma solução que satisfizesse as duas partes.
Não sei explicar o que demoveu ou motivou as duas fações. Sei que consegui que se abraçassem e esquecessem as divergências e pudéssemos sair para a pesca. Pescamos primeiro no banco S.Pierre, depois nos espalcos[3] e por fim nos Virgin Rocks[4], compondo o porão apesar dos dias perdidos em terra.
Um dia pela manhã, ao arriar[5], o mar estava chão, o São Jorge estava fundeado por Leste do Mano leijo[6] e o Ilhavense do mesmo lado no Sado leijo e o Novos Mares pescava no Eastern Shoal[7], o capitão do Ilhavense chamou por socorro dizendo que o navio estava a arder com fogo a bordo na casa da máquina. Os dois navios, São Jorge e Novos Mares, suspenderam e rumaram para a posição onde se encontrava fundeado o Ilhavense. Quando o São Jorge lá chegou passado pouco mais de meia hora (o tempo de suspender e navegar cerca de uma milha), encontrou todos os botes e as jangadas salva vidas na água, e o navio Ilhavense envolto numa fumarada. Foi só começar a recolher os botes enquanto o Novos Mares que estava mais distante, cerca de 5 milhas, chegava e procedia igualmente noutra ponta a içar os botes.
Depois de todos salvos, a pedido do capitão do navio incendiado, os capitães dos outros dois navios salvadores, aguardaram que o navio fosse para o fundo, sinal de que não ficaria à deriva e constituísse um perigo para a navegação e o capitão fosse acusado de ter abandonado o navio naquelas condições.
Os dois navios rumaram a St. John´s, distante cerca de 6 horas de viagem, a fim de descarregar os náufragos. (Continua)
Publicado no jornal «A Aurora do Lima» em 22/05/2014
Viana do Castelo, 2014-04-28
Manuel de Oliveira Martins
maolmar@gmail.com
[1] White Fleet – Frota Branca – Nome por que era conhecida a frota portuguesa da pesca à linha, devido os navios serem todos pintados de branco, para melhor serem identificados durante a 2.ª Guerra Mundial.
[2] Arribada – ida para terra por motivo de avaria, doença ou mau tempo.
[3] Espalcos - pesqueiros
[4] Virgin Rocks - pesqueiros
[5] Arriar – largar os botes na água
[6] Leijos – pedras onde o bacalhau se concentra (Mano, Sado, etc)
[7] Eastern Shoal – pesqueiro que fica 5 milhas por Leste dos Virgin Rock’s