6 - NAUFRÁGIO DO CASTOR
A história trágico-marítima do naufrágio do lugre português "CASTOR" é um relato impressionante do que passaram os tripulantes desse belo barco, pertencente à praça de Lisboa e propriedade do sr. António Magalhães, do sr. Joaquim Fernandes Batata, piloto do mesmo navio e de seu pai o mestre da chalupa "Rasoilo&Cia".
A tripulação deste navio era composta exclusivamente por naturais de Ílhavo, ecompunha-se de Capitão Joaquim Oliveira da Velha, piloto Joaquim Fernandes Batata, contra-mestre Manuel dos Santos Malaquias, marinheiros José Maria Carrapichano, Victor Gonçalves Villão, Francisco Abílio, Manuel Gonçalves Vianna, Armindo d'Oliveira, Rodrigo José Russo e Arnaldo Mattos.
A descrição que faz o piloto e co-proprietário do navio que era credor de grande simpatia no bairro da Ribeira de Viana, é impressionante. Este navio de formas bem lançadas, já por diversas vezes tinha estado no porto de Viana. No dia 29 de Janeiro de 1902 encontrava-se em Melaro, porto da ilha de Trindade, tendo saído nesse dia com um carregamento de asfalto e côcos em direcção a Londres.
No segundo dia de viagem, quando navegava junto à perigosa costa de Galera, foi surpreendido por um violento temporal tendo aberto água e, em consequência adormeceu (1). A fim de o aliviar, (2) para o retirar da dormência em que se encontrava, e porque era perigoso manter o navio naquele estado de navegabilidade, resolveram lançar ao mar dois ferros com seis manilhas (3) de corrente. O navio ficou mais leve, mas levado pela forte corrente de água, caiu a oeste de Granada. Entretanto, o tempo amainou e o "CASTOR", sempre com água aberta, mas em menor quantidade, seguiu viagem.
No dia 2 de Fevereiro o tempo piorou, o mar tornou-se encapelado (4) e, por entre o arvoredo (5) do navio o vento sibilava duma forma que amedrontava o mais audaz e experimentado homem do mar. Pela forma e intensidade com que soprava o vento, e o mar ia alteando o navio embarcava água, diminuindo as capacidades náuticas do navio.
Impotente para resolver esta situação, que se agravava hora a hora, não restava outra solução ao capitão, senão tentar arribar (6) ao porto mais próximo para salvar as vidas e o navio.
Seriam 3 horas da madrugada do dia 3, debaixo de um temporal enorme e de uma noite tenebrosa, quando foram surpreendidos por "um escarção enorme - uma montanha de água", como referia o piloto no seu relato de viagem, abateu-se sobre o navio inundando-o de água e voltando a adormecer em consequência do volume e peso de água que entrou no navio.
O navio deixou de governar na escuridão densa daquela noite tempestuosa e nada mais restava que abandonar o navio saltando para os dois escaleres levando apenas, na pressa e confusão do abandono, "algumas mantas, um mapa e uma bússola".
Já passei por um cenário idêntico (ver "Naufrágio do S. Jorge" - 12-10-2007) e por isso posso avaliar o que sentiram os náufragos do "CASTOR" quando, no meio do oceano revolto e da escuridão, viram o seu navio afundar-se "levantando um gorgulhão medonho".
Depois de muitas horas a debater-se com o mar no pequeno escaler, cheios de frio e fome, e de já terem quase perdido as esperanças de salvação, deram à costa numa praia da ilha de Margarita. O estado da maior parte dos tripulantes era, como podemos imaginar, débil e fragilizado devido a nada terem comido durante muitas horas, por não haver víveres no escaler e pela luta árdua que tiveram de travar contra a fúria do mar. Alguns, quando desembarcaram caíram, tal era o estado de abatimento e fraqueza.
Durante a permanência na ilha Margarita, e para sobreviverem, tiveram de vender o escaler que tão milagrosamente os salvou e levou a porto seguro. Dali foram para Guaira onde se apresentaram ao Cônsul Geral de Caracas que os fez seguir a bordo de um vapor para as Ihas Barbados, onde embarcaram no navio "MAGDALENA" da Mala Real Inglesa com destino a Southampton que os desembarcou em Vigo.
Escusado será dizer que durante o abandono do navio, nada salvaram dos seus haveres pessoais, a preocupação era o salvamento das suas vidas, por isso durante a viagem de Barbados para Southampton fizeram uma subscrição a bordo do "MAGDALENA" que rendeu a cada um "dois mil e tantos reis"
Desembarcados em Vigo, seguiram de combóio para Viana do Castelo e daqui para Ílhavo, terra de grandes e valorosos marinheiros.
Glossário:
(1) - Adormecer - ficar o navio inclinado a um dos bordos ou afocinhado, durante apreciável intervalo de tempo, sem mostrar tendências para voltar à sua posição de equilíbrio.
(2) - Aliviar - Tornar mais leve um barco, deitando a carga ao mar ou baldeando-a (mudando-a) para outro barco.
(3) - Manilha de corrente - Medida de comprimento equivalente a uma quartelada de amarra ou seja 15 braças.
(4) - Encapelado - diz-se do mar com vagas altas.
(5) - Arvoredo - Conjunto de mastros e vergas do navio.
(6) - Arribar - Aportar a um porto por motivo de mau tempo, avaria do navio, ou motivo de saúde.
Fontes : A Aurora do Lima; 21-03-1902 : Dicionário de Linguagem de Marinha Antiga e Actual
Viana do Castelo, 2010-03-29
Manuel de Oliveira Martins