Blog que retrata os acontecimentos do mar e porto de Viana e arredores, nos bons e maus momentos, dos pequenos aos grandes senhores.

25
Ago 17

É o título de um livro de minha autoria, que foi lançado no passado dia 15 de julho.

Curiosamente, este ano, os moradores da Rua Frei Bartolomeu dos Mártires (antiga rua do Leite), resolveram enfeitar a rua por ocasião da Romaria da Senhora da Agonia, com motivos alusivos aos naufrágios mais notórios que ocorreram no século XX em que intervieram marítimos do bairro da Ribeira de Viana, tão martirizada foi nesse século.

Registei em imagens alguns desses retábulos representativos dessas tragédias, com que os atuais moradores quiseram homenagear os seus mortos e que pretendem simbolizar os estados de alma das gentes que viveram esses acontecimentos funestos.

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O farol símbolo da orientação e apoio que dá aos homens do mar.

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A Senhora da Agonia a quem imploram em momentos de crise.

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Cristo pregado na cruz, outro símbolo da fé cristã, que carateriza as gentes do mar e a ele ligadas.

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Frei Bartolomeu dos Mártires, o santo de Viana e dos marítimos que a ele imploravam ainda em vida para acalmar o mar.

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Imagem do Sagrado Coração de Jesus, outra devoção enraizada nas martirizadas gentes da Ribeira.

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É o nome de um barco de pesca em que morreram sete infelizes pescadores, cuja memória perdorou por muitos anos até que outra mais grave veio fazer esquecer.

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Em memória dos que pereceram no naufrágio do salva-vidas «Ferreira do Amaral», quando assistia na entrada os barcos de pesca. Foram eles o mestre César e os marinheiros Mário Marques da Guia e António de Passos Pacheco, tendo-se salvado únicamente o motorista João Alves Viana.

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A tragédia do rebocador «Rio Vez», que trazia de Leixões um batelão a reboque, submergiu na barra, levando com ele para o fundo os seus oito tripulantes, salvando-se apenas os três tripulantes do batelão que entretanto deu à praia.

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Este barco da Ribeira de Viana, governado pelo arrais José Verde Gonçalves Lomba, foi vítima de abalroamento provocado pelo navio mercante norueguês «Bayard» em que pereceram 5 tripulantes, entre eles o arrais, salvando-se os restantes seis com a ajuda do barco «Virgem das Graças» que os trouxe para Viana.

Muitos outros foram vítimas de naufrágios. No livro com o título acima, que poderão encontrar na loja do CER no largo do Instituto Histórico do Minho, ao lado da Sé de Viana ou através dos endereços estudosregionais@sapo.pt ou livraria@cer.pt , encontrarão outros naufrágios e mais pormenores sobre estes acontecimentos trágicos ocorridos nos séculos XIX e XX no «MAR DE VIANA».

 

publicado por dolphin às 16:04

25
Jul 14

ONDE ESTAVA NO 25 DE ABRIL (5)

 

Dormitava, por efeitos do cansaço e do enjoo (já ultrapassado pela habituação), quando um dos homens de vigia me abanou alertando-me para um barulho que lhe parecia ser de um motor que por vezes se deixava de ouvir. Supus e não me enganei, que era a lancha de aliviar os botes do Novos Mares que vinha ao nosso encontro. Quando a lancha estava na crista das ondas ouvia-se perfeitamente, quando caía para a cava deixava de se ouvir. Ordenei então a todos, que tinham os coletes vestidos, para sacarem o apito dos respetivos coletes e começarem a apitar com quanta força tivessem, enquanto eu batia com os pequenos remos um no outro. De quando em vez mandava parar os apitos para escutar o barulho do motor que me parecia estar a dirigir-se na nossa direção por se tornar mais nítido.

Quando se avistou o clarão da pequena embarcação, quase impercetível, devido ao nevoeiro, quase todos se precipitaram para a abertura da jangada tornando eminente esta voltar-se. Tive de dar um berro a pôr ordem e serenar aquela euforia que poderia redundar em tragédia, mesmo à beira do salvamento.

Faltava ainda a viagem para o navio «Novos Mares» e a escalada pela escada de quebra costas. Um a um, com muita precaução para não cair ao mar gelado, lá foram subindo para bordo os náufragos da última jangada, aplaudidos pela algazarra dos outros que já se encontravam a bordo, em sinal de regozijo por verem o camarada a seu lado, são e salvo. Fui o último a saltar, não nas melhores condições. Durante o embarque dos tripulantes da lancha para o navio, o capitão tinha posicionado o navio por forma a fazer socairo[1] para o embarque se processar em melhores condições. No momento em que se deu a minha vez de saltar para a escada de quebra costas, o navio tinha descortinado[2] e rolava[3] bastante, obrigando a escada a balouçar como um pêndulo, tornando-se difícil embarcar nestas condições. Depois de várias tentativas infrutíferas, atirei-me para a escada agarrando o extremo com a mão esquerda e nesse momento houve um afastamento da lancha em relação ao navio e vice-versa e fiquei suspenso pela mão esquerda que aguentou com o meu peso e o impacto contra o costado do navio, enquanto tentava apanhar com a outra mão o outro lado da escada, o que consegui milagrosamente, no momento em que o navio rolava em sentido contrário e fiquei suspenso no ar até tocar com a ponta dos pés na água gelada no extremo do ângulo do balanço. Naquele momento pensei que não iria resistir e em segundos vejo-me novamente projetado contra o costado do navio dando-se aqui um milagre, uma força extrema e sobrenatural ajudou-me a subir dois degraus e colocar os pés na última travessa da escada de quebra costas. Estava salvo pensei eu. Agora podia vir o balanço que viesse que eu já conseguiria aguentar. Entretanto o capitão já conseguira posicionar o navio de forma ao balanço ser menor e pude subir para bordo mais facilmente e em segurança. No momento em que pousei os pés no convés do navio, respirei fundo e elevei os olhos para o céu, agradecendo a Deus a dádiva de me ter salvo a vida.

Estes momentos são inesquecíveis e gratificantes. Seguiu-se o repatriamento de que se encarregou o sr. Ângelo Silva, fretando um avião da Canada Air Pacific, para transportar as tripulações de dois navios, São Jorge e Capitão Ferreira, o navio «fantasma», e mais alguns tripulantes doutros navios que tinham ficado em terra doentes.

A chegada ao aeroporto da Portela em Lisboa foi comovente para todos nós especialmente aqueles que tinham familiares à espera. Não era o meu caso que tive de esperar mais algumas horas até que o autocarro chegasse à minha terra. Foram momentos indescritíveis que cada um viveu nos abraços que estreitaram com os familiares e amigos.

Dias depois da nossa chegada, os oficiais e alguns tripulantes foram chamados à capitania do porto de Aveiro para serem ouvidos em inquérito sobre a perda do navio, que se arrastou por semanas, sem qualquer conclusão.

Um dia encontrei na empresa o pescador que uma vez me disse na Terra Nova, que os pobres passavam a ricos e os ricos a pobres. Estava a lamentar-se ao armador, que perdera o motor no naufrágio e a Mútua não lhe pagava nada pela perda. O armador argumentava dizendo: - Você perdeu o motor e eu perdi o navio e também não me pagam. Ainda para mais duvidam do acidente e por isso está a decorrer um inquérito. Vamos lá a ver no que dá!... Tenho muita pena homem, mas não lhe posso valer. Você não quis fazer o seguro do motor como nós aconselhamos e alguns dos seus colegas fizeram e agora tiveram direito à indemnização.

Esperei por ele à saída da empresa e confrontei-o, disse-lhe: - Eu ouvi a sua conversa com o armador e lamento pelo sucedido. Eu bem o avisei que as coisas não eram como você supunha. Nada se faz sem trabalho. Desejo-lhe sorte.

E partimos cada um para seu lado, à procura de melhor sorte.

 

Publicado no jornal «A Aurora do Lima» em 05/06/2014

 

Viana do Castelo, 2014-05-04

Manuel de Oliveira Martins

maolmar@gmail.com

 



[1] Socairo – Proteger do vento e mar.

[2] Descortinar – Mover a proa para um e outro bordo por ação do vento, mar ou corrente e, quando a navegar, por acção do leme ou do hélice.

[3] Rolar – dar rolo significa o navio balouçar lateralmente de bombordo a estibordo.

publicado por dolphin às 18:04

22
Jul 14

ONDE ESTAVA NO 25 DE ABRIL (4)

 

Não havia acordo possível, os pescadores só queriam regressar para participar nas mudanças pós 25 de Abril, que supunham ser de grandes benefícios para a sua classe.

Um dia chegou a notícia do regresso a Aveiro dos dois navios da pesca à linha, o Novos Mares e o São Jorge, onde eu exercia as funções de Imediato. Dum modo geral todos regozijamos com a notícia em especial os que reivindicavam incessantemente essa tomada de decisão – os pescadores.

Não manifestei exteriormente essa alegria, mas no fundo eu era o que tinha mais razões para estar contente. Eu tinha feito um contrato fixo para a viagem de 5 meses e com a vinda mais cedo (metade do tempo) iria receber pela totalidade. Foi o melhor vencimento mensal em toda a minha vida.

Largamos de St. Jonh’s ao meio dia rumo a Aveiro, contentes por podermos encontrar os familiares e passar o verão, o que não era habitual nesta vida da pesca do bacalhau, especialmente na pesca à linha e na pesca com redes de emalhar que aproveitavam as boas condições do verão para efetuarem as campanhas. Já na pesca do arrasto, às vezes, dava para passar uns dias de verão durante a estadia entre a viagem de verão e de inverno.

Eram cerca das 18.00 horas quando o moço da copa veio chamar para a 1.ª mesa do jantar. O 2.º maquinista mandou avisar que viria mais tarde devido a uma avaria na casa da máquina. Comemos a sopa e quando nos preparávamos para o prato de peixe, o ajudante de serviço à casa da máquina veio avisar o capitão que havia fogo na casa da máquina. O capitão foi a correr para a casa da máquina enquanto eu fui para a ponte do navio enviar um SOS a pedir socorro, contactando imediatamente por VHF[1] com o navio «Novos Mares» que seguia a cerca de 2 milhas por nosso estibordo[2]. Olhei para esse lado mas não avistei o navio porque uma neblina difusa não permitia visualizá-lo aquela distância.

O mar apresentava-se cavado[3] tínhamos passado por dois icebergs em decomposição horas antes e a temperatura da água era cerca de dois graus.

O maquinista que se encontrava de serviço teve o bom senso de parar a máquina e o navio ficou parado, atravessado ao mar, balouçando ao sabor das ondas, uma situação muito difícil para se efetuar o salvamento.

O sucesso de uma operação de salvamento é haver ordem e não entrar em pânico. Foi uma sorte o que aconteceu naquele dia naqueles mares gelados e escuros. Os pescadores em vez de se dirigirem aos seus postos de salvamento obrigatoriamente atribuídos, começaram de arriar os botes que não resistiam naquelas condições adversas, em vez de se dirigirem para os seus postos e colaborarem nas tarefas distribuídas a cada um.

O meu lado era o de estibordo e com o contramestre fui atirando para a água e abrindo as jangadas salva vidas, enquanto os pescadores, que não se conseguiam aguentar nos dóris, faziam o transbordo para as jangadas de pessoas e haveres que pretendiam salvar.

Depois de ter aberto todas as jangadas do meu bordo, estava exausto e apesar do esforço, sentia um frio enorme devido às temperaturas baixas (cerca de 7º) agravado por estar em mangas de camisa. Tentei entrar no meu camarote para apanhar um agasalho mais quente, mas, no momento em que abri a porta, as labaredas emergiram do interior e fechei imediatamente a porta e coloquei-me por fora do varandim à popa, para tentar saltar para a única jangada que ainda estava presa ao navio daquele lado. Um tripulante da jangada estava com uma navalha na mão para cortar a boça[4] que prendia a jangada ao navio. De cima do navio onde me encontrava gritei-lhe para não o fazer senão lhe mandava com um ferro à cabeça, dissuadindo da intenção. Ao fim de várias tentativas para saltar para a jangada e não cair à água gelada, já cansado decidi atirar-me na esperança de cair em cima da jangada que ora se afastava ora se aproximava do navio conforme o balanço.

Atirei-me duma altura de cerca de 6 a 7 metros e por sorte caí dentro da jangada, mas bati com a perna direita em algo duro que me deu a sensação de ter partido a perna. Era uma caixa de madeira que um pescador se lembrou de levar para a jangada contra todas as recomendações. Aquela dor foi horrível. Parecia que tinha partido a perna. Passado algum tempo a dor abrandou e apalpei a perna sentindo o sangue escorrer da canela que felizmente não estava partida. A minha preocupação voltou-se instantaneamente para a proximidade do navio e dei ordens para com os pequenos remos de que dispunha a jangada e com as mãos nos afastarmos do navio para não sermos sugados pela corrente de redemoinho quando o navio se afundasse. Conseguimos afastarmo-nos uns bons metros, o suficiente para não sermos arrastados e vermos o crepitar do navio a arder em chamas que iluminava as jangadas que ainda se encontravam nas proximidades do navio e não consegui divisar mais que duas na auréola das chamas do navio.

As labaredas eram enormes, negras e cinzentas, o fumo denso e matizado de cores ocre, o mar estava coalhado de botes vazios uns outros voltados, à deriva. Uma explosão seguida de outra quase imediata ecoou no silêncio sepulcral daquela noite fria e tenebrosa. O navio abriu pela popa projetando labaredas e tábuas incendiadas que caíam na água provocando um ruído aterrador. Em poucos minutos o navio ergueu a proa para o céu como que a pedir misericórdia e afundou-se num ápice. À nossa volta ficou tudo escuro como breu, só o marulhar das ondas por companhia.

A bordo da jangada o cheiro era nauseabundo. Um cheiro a vomitado impestava o ambiente. Um energúmeno, em pé, no meio da jangada, de navalha aberta, apregoava que já tinha sido náufrago do Brites[5]. Ordenei-lhe que fechasse a navalha para não por em perigo a vida de todos quantos estavam ali. Se ele caísse e furasse a jangada íamos todos para o fundo. Basofiando não acatou a ordem e, combalido ainda da pancada e meio enjoado pelo balanço próprio de um meio elástico ao qual não estava habituado, ainda arranjei energias para lhe desferir um murro que o atordoou e pôs a dormir para não nos incomodar por algum tempo.

Era necessário tomar alguma mediada, na expetativa de alguém vir em nosso auxílio. Alimentava a esperança do navio Novos Mares vir em nosso auxílio e providenciei no sentido de estarmos vigilantes e estabeleci um sistema de vigias pela abertura da jangada, atentos a qualquer barulho de motor  que pudesse aproximar-se de nós.(Continua)

 

Publicado no jornal «A Aurora do Lima», em 10 de julho de 2014

 

Viana do Castelo, 2014-05-03

Manuel de Oliveira Martins

maolmar@gmail.com



[1] VHF – Very High Frequence – aparelho de comunicação de ondas de alta frequência usado nas comunicações a curta distância.

[2] Estibordo – lado do navio que fica à direita quando estamos virados para a proa.

[3] Mar cavado – Mar com profundos espaços entre as vagas, cerca de 4 a 5 metros.

[4] Boça – cabo fino destinado a amarrar as embarcações miúdas.

[5] Brites . Lugre de 4 mastros que naufragou nos bancos da Terra Nova

publicado por dolphin às 23:43

ONDE ESTAVA NO 25 DE ABRIL (3)

 

Atracamos no cais do Norte, frente à Water Street, mesmo no centro da baixa da cidade de St. John’s, a uma centena de metros da Fundação George V, onde estava sedeada a Casa dos Pescadores, na época dirigida por um vianense, o senhor Ângelo Silva, de saudosa memória.

Quando chegamos, já se encontrava atracado ao cais o Capitão Ferreira, um navio da pesca à linha que havia sido transformado em navio de redes de emalhar. Tinha arribado a St. John’s com uma revolta do pessoal que se negava a trabalhar por que o navio tinha fantasmas. O Imediato era do meu curso e contou-me os motivos. Da primeira vez um homem ficou esmagado entre a lancha e o turco de suspensão, invocando alguns que a culpa era do imediato que comandava as operações de içar as lanchas. O facto é que quem estava aos comandos do guincho era um motorista e mesmo ele não podia ser responsabilizado pois tratou-se de uma falha mecânica, como veio a ser apurado. A segunda morte ocorreu numa noite de S. João depois de terem festejado a efeméride abundantemente com bebida como é apanágio do pessoal do mar, para esquecer as mágoas. O infeliz pescador durante a noite, ensonado e atormentado ainda pela bebida veio à borda urinar, em vez de ir ao quarto de banho e caiu ao mar, ninguém deu pela queda, só pela manhã notaram a sua falta.

Depois de reunirem no rancho, um grupo foi à ponte comunicar ao capitão que não trabalhavam mais e pretendiam que o navio arribasse a St. John’s e fossem repatriados de avião por causa dos fantasmas; nem admitiam sequer regressar a Portugal no navio por causa dos ditos seres fantasmagóricos que habitavam o navio.

 

O encontro das tripulações dos navios «salvadores» com a do «navio fantasma» enquistou a saída para o mar e os pescadores da linha associaram-se aos colegas das redes de emalhar reivindicando o regresso a Portugal, não pela via aérea como os do Capitão Ferreira, mas nos próprios navios onde tinham os motores e os haveres que lhe eram caros.

Neste impasse se mantiveram e, os navios das redes de emalhar, à medida que iam chegando a St. John’s, aderiam à reivindicação dos outros, até que se juntaram tripulações de 7 ou 8 navios, cerca de 600 homens. As agências consignatárias dos navios não tinham autorização para fornecer dinheiro às tripulações por ordem de Lisboa, que tinha congelado a saída de divisas. Sob a ameaça dos tripulantes que insinuavam assaltar casas comerciais na Water Street, caso não lhes fosse fornecido dinheiro, a polícia montada do Canadá implantou um dispositivo de segurança junto dos navios com cães amestrados, controlando as saídas para terra de toda a gente.

Uma comitiva da Junta de Salvação Nacional, entretanto constituída, deslocou-se a St. John´s para tentar apaziguar os ânimos e resolver a ida dos navios para a pesca. Depois de duas reuniões no auditório da Casa dos Pescadores, onde foram maltratados e enxovalhados e até tomates e ovos foram arremessados, regressou a Lisboa sem nada ter conseguido.

Os armadores, por seu lado, que estavam a sofrer na pele esta paragem, pois tinham feito avultados investimentos nos navios para a campanha, também se deslocaram à Terra Nova para chegarem a um acordo e minimizarem os prejuízos da viagem. Há cerca de um mês que estavam os navios parados, sem meterem um peixe no porão.

Era junho, altura em que a cidade de St. John´s se torna mais atraente com a verdura dos jardins, públicos e particulares, convidando ao lazer nos parques da cidade durante o dia e, nas noites amenas, uma ida aos bares beber um copo e divertir um pouco.

Eu e todos os outros íamos desfrutando o bom tempo que fazia sem as agruras da pesca, mas era tudo ilusório e eu tinha consciência disso. Muitas vezes, em conversa com alguns pescadores, mais ponderados e menos emotivos, tentava persuadi-los do logro em que tinham caído e chamá-los para a realidade, sem resultados.

Os navios das redes de emalhar partiram para a faina ficando amarrados ao cais os últimos bacalhoeiros da pesca à linha e o «navio fantasma». Nada os fazia demover do regresso a Portugal.

 

Publicado no jornal «A Aurora do Lima» em 19/06/2014

 

Viana do Castelo, 2014-05-02

Manuel de Oliveira Martins

maolmar@gmail.com

publicado por dolphin às 00:12

01
Jul 14

ONDE ESTAVA NO 25 DE ABRIL (2)

 

St. John´s é o porto mais conhecido e acarinhado pelos pescadores portugueses da pesca do bacalhau. Fica situado na península de Avalon na ilha da Terra Nova. É uma baía ampla, capaz de albergar uma frota como a «frota branca»[1] noutros tempos e protegida das intempéries, com uma abertura profunda e estreita entre dois montes. Pela sua posição central relativamente aos pesqueiros, e pela segurança que oferece, os capitães dos navios bacalhoeiros portugueses e doutras nacionalidades preferem-no, devendo-se por tal motivo o seu desenvolvimento.

 

 

Em consequência dos acontecimentos ocorridos a bordo do S. Jorge, como tivemos ocasião de descrever anteriormente, o navio teve de arribar a St. John´s para abastecer de víveres e meter um ajudante de cozinha, necessário para ajudar o pessoal da cozinha nas tarefas redobradas da preparação das refeições nos moldes estabelecidos pelo capitão – sopa, prato de peixe, prato de carne e sobremesa – para toda a tripulação, de cerca de setenta homens.

O navio permaneceu em St. John´s uma semana, a ultimar estes preparativos para não ter que interromper a pesca, o que permitiu ao pessoal telefonar para as famílias e inteirar-se do que se estava a passar em Portugal.

Saímos de St. John´s para a pesca diretos ao pesqueiro Banquereau que fica na costa da Nova Escócia, onde se situa o porto de Halifax, outrora utilizado pelos navios portugueses quando operavam naquela zona.

Na viagem de navegação, um pescador que ía ao leme, disse-me convicto: -Sr. Imediato, isto agora vai mudar, a minha mulher disse-me que os pobres vão passar a ser ricos e os ricos vão ter de dar aos pobres, quem me dera estar lá agora. Estou desejoso que a viagem termine para chegar a Portugal. Só tenho medo de chegar tarde e outros apanharem tudo!

Ah! – disse eu, curioso para saber mais, e perguntei?

- Então como é que isso vai ser feito? Também estou interessado!

 

 Esta era a ideia que ocupava a mente da maioria dos pescadores, distorcida da realidade pela boca dos familiares, que gerou entre as tripulações dos navios que se encontravam na faina, confusão e ansiedade.

A ameaça da aproximação de um ciclone, levou os três navios da pesca à linha, de arribada[2] para o porto francês de Saint Pierre, na ilha do mesmo nome situada na foz do rio S. Lourenço, outro porto querido das tripulações portuguesas, por ser mais latino.

Passados dias, o ciclone passou mais pelo Norte, rumo ao Labrador e era tempo de regressar à pesca. A permanência em terra durante quase uma semana permitiu o contacto com as famílias, como habitual e salutar, mas também se notou a influência política, a perturbar a unidade do grupo, tornando-os confusos e ansiosos e não esclarecidos.

Uma fação não queria sair para a pesca mas pretendia que o navio fosse direto para Portugal, enquanto outra, minoritária em relação à primeira pretendia continuar a pescar, invocando o sustento das famílias. Neste confronto se mantiveram sem chegar a acordo. O piloto da barra chegou a vir a bordo para dar saída ao navio por 13 vezes e da última vez afirmou que enquanto não houvesse um consenso para sair não viria a bordo. O capitão e restantes oficiais eram impotentes perante tal situação e temiam o pior, um confronto físico entre os grupos. Fui encarregado, devido à minha função, de tentar apaziguar os ânimos e encontrar uma solução que satisfizesse as duas partes.

Não sei explicar o que demoveu ou motivou as duas fações. Sei que consegui que se abraçassem e esquecessem as divergências e pudéssemos sair para a pesca. Pescamos primeiro no banco S.Pierre, depois nos espalcos[3] e por fim nos Virgin Rocks[4], compondo o porão apesar dos dias perdidos em terra.

 

 Um dia pela manhã, ao arriar[5], o mar estava chão, o São Jorge estava fundeado por Leste do Mano leijo[6] e o Ilhavense do mesmo lado no Sado leijo e o Novos Mares pescava no Eastern Shoal[7], o capitão do Ilhavense chamou por socorro dizendo que o navio estava a arder com fogo a bordo na casa da máquina. Os dois navios, São Jorge e Novos Mares, suspenderam e rumaram para a posição onde se encontrava fundeado o Ilhavense. Quando o São Jorge lá chegou passado pouco mais de meia hora (o tempo de suspender e navegar cerca de uma milha), encontrou todos os botes e as jangadas salva vidas na água, e o navio Ilhavense envolto numa fumarada. Foi só começar a recolher os botes enquanto o Novos Mares que estava mais distante, cerca de 5 milhas, chegava e procedia igualmente noutra ponta a içar os botes.

Depois de todos salvos, a pedido do capitão do navio incendiado, os capitães dos outros dois navios salvadores, aguardaram que o navio fosse para o fundo, sinal de que não ficaria à deriva e constituísse um perigo para a navegação e o capitão fosse acusado de ter abandonado o navio naquelas condições.

Os dois navios rumaram a St. John´s, distante cerca de 6 horas de viagem, a fim de descarregar os náufragos. (Continua)

 

Publicado no jornal «A Aurora do Lima» em 22/05/2014

 

Viana do Castelo, 2014-04-28

Manuel de Oliveira Martins

maolmar@gmail.com

 

 

 



[1] White Fleet – Frota Branca – Nome por que era conhecida a frota portuguesa da pesca à linha, devido os navios serem todos pintados de branco, para melhor serem identificados durante a 2.ª Guerra Mundial.

[2] Arribada – ida para terra por motivo de avaria, doença ou mau tempo.

[3] Espalcos - pesqueiros

[4] Virgin Rocks - pesqueiros

[5] Arriar – largar os botes na água

[6] Leijos – pedras onde o bacalhau se concentra (Mano, Sado, etc)

[7] Eastern Shoal – pesqueiro que fica 5 milhas por Leste dos Virgin Rock’s

publicado por dolphin às 22:35

21
Jun 14

ONDE ESTAVA NO 25 DE ABRIL? (I)

 

Esta pergunta ficou célebre através de um conhecido jornalista e escritor e tem sido mencionada por outras fontes, nomeadamente o JN durante o mês de abril, em entrevistas feitas a personagens conhecidas da vida pública portuguesa.

Hoje, faz 40 anos que se deu o 25 de abril e é exultante para mim relembrar esse momento e os que se seguiram. Quis o destino que naquele ano de 1974 em que decidira fazer uma pausa na minha vida de homem do mar, para me casar, tal não viesse a suceder, e não resisti a uma oferta bastante aliciante monetariamente, de fazer uma viagem num navio da pesca à linha.

A pesca à linha estava no fim. Só restavam 3 navios da famosa frota branca que ainda persistiam naquele tipo de pesca, há muito abandonado por outros países, com frotas pesqueiras do bacalhau. Eram eles o Ilhavense, o São Jorge e o Novos Mares. Dos três somente o Novos Mares regressaria a Portugal, os outros dois por lá ficaram, vítimas de incêndio em circunstâncias diferentes.

O São Jorge, navio onde eu desempenhava as funções de imediato, saiu de Lisboa no dia 22 de abril, depois dos preparativos usuais para a viagem de 5 meses - regulação de agulhas, calibração do radiogoniómetro, abastecimento de sal, mantimentos e aprestos, etc. – com destino aos bancos da Terra Nova.

O São Jorge navegava no canal com o mesmo nome, entre as ilhas açorianas do grupo central, de São Jorge, do Pico e Faial, quando o capitão do navio deu a boa nova de uma revolução, há muito desejada.

A maior parte do pessoal em que me incluía, estava no convés do navio, atarefado nos preparativos para a faina que se avizinhava dentro de dias, preparando os dóris, adaptando-os cada um ao seu modo, dando-lhe um nome, preparando os motores fora de borda que tinham trazido dos botes que utilizavam na pesca nos portos de onde eram oriundos. Noutros tempos mais difíceis, eram as velas que preparavam, agora era tudo a motor. Alguns não tinham motor próprio e o navio fornecia-lhe.

Foi uma algazarra imensa, uma euforia desmedida, um viva Portugal, abaixo a ditadura! O capitão manifestou igualmente a sua satisfação e deu ordem ao cozinheiro para daí em diante passar o comer a ser igual para todos, isto é, dois pratos.

Durante o período da ditadura, o pessoal de ré (os oficiais) tinham direito a comer, sopa, prato de peixe, prato de carne e sobremesa, enquanto o pessoal da prôa (mestrança e marinhagem) comiam sopa e um prato de peixe ou de carne alternadamente ao almoço e/ou ao jantar e sobremesa só à quinta e domingo, consoante os navios, nalguns era só ao domingo.

A ordem teria sido boa se previamente o capitão se tivesse informado com o cozinheiro da possibilidade de poder fornecer esta duplicação de refeições, quer em géneros quer em trabalho para o pessoal da cozinha. Foi uma medida precipitada que criou um precedente jamais sanado e que mais tarde o capitão veio a reconhecer que foi um erro, fruto da sua euforia e da vontade que sempre tivera em que a comida fosse igual para todos em especial para aqueles que mais se desgastavam fisicamente – os pescadores.

O capitão, para nos manter informados enquanto se trabalhava no convés, ligou o rádio ao altifalante que dava para a prôa para ouvirmos as notícias intercaladas com música de intervenção, comentando de vez em quando os acontecimentos. Assim passamos o canal de São Jorge e rumamos a St. John´s da Terra Nova, contrariamente ao que estava destinado antes que era ir diretamente para a pesca no Banquereau ou Saint Pierre. As medidas precipitadas assim o obrigavam, era necessário meter mais mantimentos e mais um ajudante de cozinha, porque as refeições quadruplicaram.

Naquele dia à noite o capitão teve uma surpresa quando estava à mesa a jantar. O cozinheiro veio informar que o pessoal da prôa tinha rejeitado o prato de peixe, constituído por pescada cozida com batatas e hortaliça, dizendo que aquilo não era comida que se desse a um homem. Ficaram acalmados por que o prato de carne era bife com batatas fritas, mas que alguns estavam a reclamar uma segunda dose quando ele só tinha contado com um bife para cada um. O capitão pediu-lhe que tentasse resolver o problema da melhor forma possível, indo o cozinheiro para a prôa apreensivo, sem saber como iria dar a volta à situação, pois por aquele andar não tinha sequer mantimentos para chegar a St. John’s.

Um dia depois de passarmos os Açores, na noite de 26 para 27, estava de serviço de navegação na ponte, o vigia veio-me informar que à proa estava tudo bêbado, tinham rebentado com o cadeado do paiol dos mantimentos, feito «Champarrion», cortado os presuntos e andavam à pancada uns contra os outros, ninguém se entendia. Chamei o capitão e dei-lhe conhecimento do panorama que o vigia me tinha descrito. Como responsável pela disciplina coube-me a tarefa de ir à prôa analisar a situação e tentar apaziguar os ânimos. Escusado será dizer que a situação era caótica e insustentável, sem controle possível. Dirigi-me à ponte informar o capitão do barril de pólvora que estava rastilhado. Foi a vez do capitão tentar ir impor a sua autoridade, como responsável máximo do navio.

Eu era um jovem imediato de 26 anos, o capitão era um veterano com mais de 50 anos, esperava-se que obedecessem às ordens dele, ainda para mais que ele tinha demonstrado ser um camarada quando tomou a decisão da comida passar a ser dois pratos, igual para todos. Chamaram-lhe de tudo, só faltou baterem-lhe! Veio muito perturbado, chorou, disse que não merecia o que ouviu, principalmente de alguns que nunca imaginara pudessem maltratá-lo, pelo muito que tinha feito por eles. Tentei acalmá-lo e fui deitá-lo.

Continuei no meu posto de navegação, enquanto o navio singrava as águas frias do oceano naquela noite escura a caminho da Terra Nova e meditava naquilo que se tinha passado e transpondo para o país imaginava cenários idênticos, como mais tarde vim a saber aconteceram.

Não era isto que eu queria para o meu país, quando antes lutava pela liberdade contra a opressão e o obscurantismo. Esperava liberdade dentro dum cenário de ordem e respeito de uns para com os outros dentro do seu estatuto e função. Não era isso que estava a acontecer e que se iria passar no futuro como terei oportunidade de contar noutra ocasião.(Continua)

 

Publicado no jornal «A Aurora do Lima» em 15/05/2014

 

Viana do Castelo, 25 de abril de 2014

Manuel de Oliveira Martins

maolmar@gmail.com

 

 

 

 

 

 

publicado por dolphin às 18:06

23
Out 11

O Rancho do Monte, de Vila do Conde, com o apoio da Junta de freguesia e Câmara Municipal daquela cidade, fizeram a evocação do centenário do naufrágio do cruzador «São Rafael», ocorrida no dia 21 de Outubro de 1911.

 

 

 

No dia 21 deOutubro de 2011, dia do centenário, realizaram-se diversos eventos: - Missa e descerramento de placa evocativa, romagem ao cemitério e inauguração de uma exposição evocativa, no salão de festas do Rancho do Monte, que estará patente ao público até ao fim do ano, que aconselhamos a visitar.

 

 

No Auditório Municipal, no dia 22, teve lugar o lançamento do livro «Cruzador São Rafael - Evocação do Centenário do Naufrágio - 1911-2011», da autoria de Albino Gomes, seguido de um colóquio/palestra moderado por este, em que diversos(as) oradores(as) abordaram o tema do naufrágio à luz da imprensa local e nacional à época do acontecimento, e a sua repercussão a nível local e nacional nas populações e no país.

 

 

As comemorações fecharam em apoteose com a representação de uma pequena peça de teatro, numa tentativa de reproduzir o naufrágio, pelo grupo de Teatro Amador do Círculo Católico Operário (TACCO), que foi calorosamente aplaudida pelo grande número de pessoas que assistiram aos três eventos realizados no Auditório Municipal de Vila do Conde.

publicado por dolphin às 17:52

13
Jul 10

O ENCALHE DO DIONE

 

O “Dione”, navio que deslocava 746 toneladas, tinha sido construído em 1951 nos Estaleiros de S. Jacinto para a Empresa Continental de Navegação, Lda. de Lisboa, procedia de Setúbal com sal. Desde o dia 13 de Dezembro de 1956 que se encontrava ao largo de Viana, aguardando melhoria de tempo para poder entrar.

Tendo-se verificado uma acalmia no mar no dia 18-12-1956, mas que não permitia o embarque do piloto fora da barra, o capitão anuiu à sugestou dos pilotos em demandar a barra à sua responsabilidade, seguindo instruções dos pilotos, que na embocadura da barra o aguardavam na lancha para o pilotarem.

Cerca das 15 horas, quando o navio se encontarva com a “Ponta da Tornada” pelo través de estibordo, sofreu um “... violento golpe de mar que o fez perder o governo, encalhou no baixio de areia denominado “Ponta da Tornada” ...”[1].



 

Atendendo a que o navio não conseguia safar-se pelos próprios meios, foi imediatamente pedido o auxílio do rebocador “Rio Vez” da Junta Autónoma dos Portos do Norte (JAPN) que em vão tentou o desencalhe do “Dione”, tendo desistido em virtude do navio se encontrar bem preso ao fundo e a maré vazar com grande força.

Da torre dos Pilotos (donde eram transmitidas instruções para o navio, rebocadores, lancha dos pilotos e  salva-vidas), foram dadas ordens para se estabelecerem cabos do navio para a ponta do cais do Bugio com o intuito de evitar que o navio, devido à acção do mar que batia contra o costado com ondas alterosas, fosse atirado mais para cima da Ponta da Tornada.



 

Foram tentados todos os meios para desencalhar o “Dione” (alguns deles impensáveis nos dias de hoje), enviando para bordo, quando o mar o permitiu, homens para alijar carga do navio durante a noite e “...foi ainda despejado todo o gasóleo que se encontrava a bordo e que eram bastantes toneladas[2]”.

Aproveitando a subida da maré e o alívio de carga e combustível entretanto verificado, e contando com o auxílio de mais um rebocador, pertencente à Empresa de Quebramento de Rocha da Barra “Darque”, cerca das 23 horas foi tentado novamente o desencalhe, mas mais uma vez sem sucesso.

Entretanto, com a força da enchente e o corso do mar, partiram-se os cabos que prendiam o navio ao Bugio atirando-o mais para terra até perto do cais do Cabedelo, onde existiam umas pedras que lhe provocaram alguns rombos por onde começou a meter água, agravando ainda mais a possibilidade de flutuação e desencalhe.



 

Nova tentativa foi feita na maré da tarde do dia 19 com a ajuda do rebocador “Vandoma” que entretanto fora solicitado à Direcção dos Portos do Douro e Leixões e a colaboração do “Rio Vez” que também não surtiu efeitos.

A maré da noite de 19 para 20, por ser a última maré grande da fase da lua, foi aguardada com grande expectativa e esperança, “... mas apesar da boa vontade de quantos trabalharam e dos óptimos serviços prestados pelo rebocador “Vandoma” o “Dione” manteve-se na sua crítica posição.[3]


 

Depois de tantas tentativas e quando já nada previa o desencalhe, este foi conseguido na maré da tarde do dia 23-12-1956 cerca das 19 horas entrando de seguida para o anteporto, para alívio de todos especialmente os pilotos que finalmente ficaram aliviados daquele "monstro" à entrada da barra mesmo defronte da estação de pilotagem.



Fontes:

[1] A Aurora do Lima: 21-12-1956

[2] Idem: Ibidem

[3] Idem: Ibidem

Fotos: Autor desconhecido

publicado por dolphin às 16:00

15
Jun 10


A notícia do naufrágio do iate “Helena Santa” nas camboas ao norte da barra de Viana do Castelo, no dia 16 de Novembro de 1945 pela manhã, mobilizou todos os meios humanos e materiais disponíveis na cidade naquela época.

Pouco antes do naufrágio, os pilotos tinham dado entrada ao palhabote “Maria Lucília”, mas entretanto fez-se cerração[1] e o “Helena Santa” devido à fraca visibilidade e ao mar agitado, perdeu o leme e caíu para cima da parede[2] sendo arrastado para as camboas[3] a norte da barra.

Os pilotos, o barco salva vidas João Tomaz da Costa, as duas corporações dos Bombeiros, Municipais e Voluntários, bem como uma ambulância da Cruz Vermelha, acorreram para prestar socorro aos tripulantes do malogrado iate.

O primeiro sinal de perigo foi dado pela sirene de bordo do iate naufragado, secundado pelo palhabote “Maria Lucília” e lugre “Maria Madalena” que se encontrava na doca, o mesmo fazendo o sino de Santa Catarina que também tocou a rebate.

O sr. Capitão do Porto, comandante Laurindo Henrique dos Santos assistiu às manobras de salvamento dando ordens e chegou inclusive a mandar preparar o serviço para lançar um cabo de vai-vém, o que não chegou a ser necessário devido à eficiente acção do barco salva vidas.


A barra de Viana em 1945, vendo-se a embocadura, o cais do Bugio e por fora deste as camboas onde encalhou o "Helena Santa"

 

O barco dos pilotos tripulado pelo chefe Augusto Silva, auxiliado pelos colegas Mário, Costa e Jorge, permaneceu na embocadura da barra dando instruções à tripulação do “Helena Santa”.

Os sete tripulantes do iate “Helena Santa” foram todos resgatados pelo barco salva vidas, porém, quando deram pela falta de um, não exitaram em o ir salvar do perigo que corria, depois de ter abandonado o navio num escaler e indo na direcção da barra, resgatando-o de ser tragado pelas ondas alterosas no último momento.

Faziam parte da tripulação do salva vidas os arrojados e valentes marinheiros; Leonildo Araújo,João Duarte, José Rodrigues Costa, José de Castro Alheira, Eduardo Chavarria, Jerónimo Domingues Pires, José de Castro Soares, Miguel Freitas de Lemos, José da Lomba e os irmãos João e Álvaro Vieira, hábilmente orientados pelo patrão António Gonçalves Gago.

Os tripulantes, chegados a terra, foram conduzidos na ambulância da Cruz Vermelha para o Hospital da Misericórdia, onde foram tratados a pequenas escoriações que sofreram no salvamento: João Martins dos Santos, de 36 anos, casado, mestre; António Viegas Ramos, 26 anos, solteiro, contra-mestre; Joaquim Estrela Ministro, 35 anos, 1.º Motorista; António de Sousa Pires, 34 anos, casado, 2.º Motorista; António Gonçalves de Sousa, 22 anos, solteiro, cozinheiro; José Viegas Contrinas, 42 anos, casado; Domingos Silvino Ferro, 24 anos, casado; Francisco Eduardo Alexandre, 34 anos, casado.

O iate “Helena Santa” era um barco de 115 toneladas de arqueação bruta, comandado pelo mestre João Martins dos Santos, propriedade de Roque & Filhos, de Faro e registado neste porto. Estava fretado a José Maria da Silva, de Lisboa e a força do mar desmantelou-o totalmente, dando à Praia Norte os restos do navio.

Um facto é digno de menção neste desenlace, que podia ter sido fatal se não fosse a pronta intervenção e coordenação dos meios utilizados, o sr. João Alves Cerqueira, mal teve conhecimento do sucedido e sensibilizado pela coragem e risco dos tripulantes do salva vidas, mandou-os gratificar com 500$00. Este acto prova não só a generosidade, como a grandeza de alma que este benemérito anónimo possuía e pelo qual ainda hoje muitas pessoas recordam com admiração e saudade.



[1] Cerração – nevoeiro fechado

[2] Parede –conjunto rochoso existente pelo norte da barra de Viana do Castelo

[3] Camboa - Nome dado no Norte do país a um pesqueiro formado por um muro de pedras soltas que delimita um espaço para onde o peixe que entra na Preia-mar fica retido na Baixa-mar.

Fontes: A Aurora do Lima

 

Viana do Castelo, 2010-06-15

Manuel de Oliveira Martins

publicado por dolphin às 16:42

09
Abr 10

8- NAUFRÁGIO DO "RODOLFO"

 

O palhabote "Rodolfo" era um pequeno navio de 250 toneladas, construído em 1898 nos Estaleiros do Cais Novo. Recebeu o nome em homenagem a um apaixonado pela navegação à vela, como foi no seu tempo Rodolfo Vieitas Costa.

Foi construído com um objectivo, transportar toros de madeira de 20 metros de comprimento  para a construção de pontes nas minas de S. Domingos por isso possuía uma espécie de janela aberta na prôa.

Em relação ao comprimento era um navio bastante estreito, de pequena boca, por isso com carga leve, navegava com a borda a rasto e , bem carregado, adornava muito, o que o tornava perigoso nos meses de inverno, tendo sido por isso mesmo alcunhado de "navio dos credos".

 

 

Palhabote "Rodolfo"

 

No dia 20 de Janeiro de 1909 cerca das 08.00 o palhabote "Rodolfo", da praça de Viana do Castelo, propriedade  do sr. João António Magalhães Viana Júnior, grande industrial, comerciante e armador de navios Vianense, naufragava num banco de areia formado no canal da barra, por acção da cheia do dia 22 de Dezembro de 1908.

O navio procedia de Setúbal com um carregamento de sal e cimento e estava seguro na Companhia Confiança Portuense, bem como parte do carregamento.

A tripulação, como o mar estava agitado e partia junto ao navio, para não ser posta em perigo, foi aconselhada a desembarcar e a vir para terra no barco salva-vidas, perdendo todos os seus haveres. Igualmente todos os aprestos do navio, incluindo toda a documentação e livros de bordo foram perdidos.

Foi feito telegráficamente um pedido ao Departamento Marítimo do Norte, solicitando a vinda de um rebocador e imediatamente foi dada provisão a este pedido, zarpando de Leixões o reboque "Tritão" que  chegou à barra de Viana cerca das 15.30, contudo, devido à forte agitação do mar e ao adornamento do "Rodolfo", nada pôde fazer.

O "Rodolfo" acabou desfeito pela fúria do mar que batendo contra o costado o desfez em pouco tempo.

 

Fontes: A Aurora do Lima 21-01-1908; Museu Municipal-Últimos Veleiros do Porto de Viana

Viana do Castelo, 2010-04-01

Manuel de Oliveira Martins

publicado por dolphin às 00:40

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