Embora já tivesse estado em Moçâmedes por duas vezes, uma em 1969 e outra em 1970, não conhecia o Libório, figura bem conhecida de todos, especialmente do pessoal do mar.
O Libório é aquela pessoa simples e humilde que cativa e depressa se encaixa em qualquer ambiente, procurando ser prestável e pronto a colaborar. É amigo de verdade. Ao longo da minha vida de mar contam-se pelos dedos duma mão os amigos verdadeiros que conheci e em quem pude confiar, o Libório está nesse punhado de gente boa e amiga.
Moçâmedes vista do Porto Comercial
Quando cheguei a Moçâmedes pela terceira vez, aí por meados de Junho de 1971,como oficial-imediato do Arrastão de pesca "Tropical", da Sociedade de Pesca Miradouro, S.A., depois de atracarmos, o amigo Libório veio apresentar-se como mestre da lancha dos pilotos da barra, pondo-se à disposição para colaborar naquilo que estivesse ao seu alcance.
Como curiosidade, depois de se auto elogiar, defeito de somenos importância, comparado com as qualidades altruístas que possuía, apresentou uma cedula marítima passada pelo consulado do Panamá em Luanda, como Capitão da Marinha Mercante daquele país da América Central.
Durante os quase três anos que passei nos mares da zona do Sudoeste Africano, com vindas periódicas a Moçâmedes, normalmente de quinze em quinze dias, para descarga e abastecimento, à chegada tinha sempre o amigo Libório que como mestre da lancha dos pilotos, vinha trazer o piloto a bordo e passar cabos a terra.
Nem sempre o amigo Rente, piloto da barra, vinha fazer a manobra de atracar/desatracar, autorizando-nos a entrar /sair sem a presença dele a bordo. Muitas vezes encontrava-se a manobrar um mineraleiro de 150.000 toneladas no porto do Saco, na extremidade Norte da Baía de Moçâmedes, manobra demorada e remetia para nós a decisão de atracarmos à nossa responsabilidade, indicando-nos o local de atracação, ou então esperar que terminasse a manobra e regressasse ao cais comercial, o que na maioria dos casos implicava uma espera prolongada.
O Libório, como mestre da lancha, enquanto esperava a hora de ir desembarcar/embarcar o Rente, do navio que procedia/demandava o Saco, passava/largava os cabos a/de terra, facilitando-nos a manobra, especialmente quando tinhamos que atracar em espaços apertados, outras vezes não podia e tinhamos que fazer a aterragem com maior precaução para não provocar avarias, que não só originavam participações a regularizar na Capitânia, como também implicavam perda de tempo em reparações, custos e prejuízos, prejudiciais à nossa actividade da pesca.
O Porto Comercial situado no extremo sul da baía, distava da cidade uns bons dois quilómetros, numa estrada agreste, despida de vegetação, sob o sol inclemente. O amigo Libório estava sempre disponível para nos transportar até à cidade. Fazia várias viagens de ida e volta para instalar nas esplanadas e bares os tripulantes do navio.
Praia das Miragens
Recebia como retribuição a amizade e respeito de todos nós que lhe enchiamos o carro de bens essenciais, que ele rejeitava, mas que acabava por aceitar, porque o vencimento não era muito e um garrafão de vinho da Metrópole bebia-se bem e umas batatas, umas pescadas e às vezes umas bocas de caranguejo, davam sempre jeito lá em casa.
Em Moçâmedes juntavam-se por vezes vários navios de pesca à descarga ou a aguardar vez. Este ajuntamento era motivo para entre a oficialidade organizar-se uma festa. O meu amigo Comandante Manuel Marques Damas, "Almirante" do navio ALTAIR da Companhia Portuguesa de Pesca, era o anfitrião nº 1 dessas festas famosas a bordo do seu navio.
Primava no receber, no saber fazer e estar, por isso o Altair era o navio "Almirante " da frota de arrasto nos mares do Sudoeste Africano.
Numa dessas estadias, coube ao navio Tropical, do comando do Capitão Rui Sousa, realizar essa festa do oficialato e companhia(...). Para quebrar a monotonia da vida a bordo,e animar a festa, convidavam-se uns amigos e amigas que normalmente retribuíam com convites para suas casas e nos visitavamos sempre que estavamos em terra. O amigo Libório também se encontrava presente ou ele não fosse Capitão da Marinha Mercante do Panamá.
Nem de perto nem de longe se podia comparar a festa do Tropical com as do Altair, até porque as condições logísticas dos navios são muito diferentes. Apesar dessas restrições, improvisou-se um jantar volante na ponte do navio, onde havia mais espaço e se podia circular mais à vontade e respirar o ar da baía.
N/m Tropical
A festa estava animada com música e dança à mistura, a dada altura, já estavamos nas sobremesas, o Libório que estava a comer um pastel de côco, fica muito aflito, "asfixiado" com o pastel na boca, corre para a asa da ponte, tenta tirar o pastel que estava colado no céu da boca e deita o pastel ao mar. Acto contínuo exclama: - Ai a minha placa, lá foi a minha rica placa!
Ficamos boquiabertos, olhando uns para os outros, interrogativamente. Desconhecíamos que o Libório usasse placa dentária. O pobre do homem estava inconsolável, deitava as mãos à cabeça, entrava e saía da ponte, indo para a borda e olhando para a água.
Como é que eu vou fazer agora, que vai ser de mim sem placa? - Tentamos dar-lhe ânimo, que não era o fim do mundo. Foi então que ele, depois de estar mais calmo, nos confidenciou que tinha estado dois meses em Luanda para tirar os dentes podres e colocar esta placa que agora jazia algures no fundo da baía de Moçâmedes.
Compreendemos perfeitamente a preocupação e estado de choque em que ficou o nosso amigo e, sem dizermos nada uns aos outros, pensamos em pagar-lhe a prótese dentária, como, mais tarde, revivendo e rindo-nos com o episódio, desabafamos as nossas intenções.
Escusado será dizer que a festa terminou ali, alguns ainda foram até ao bar Americano esquecer as mágoas num trago de Whisky, enquanto outros preferiram acabar a noite na solidão do camarote, ouvindo música, lendo um livro, pensando na família que deixaram lá longe na Metrópole.
Em Moçâmedes
No dia seguinte, quando acordei, antes de tomar o pequeno almoço, prescrutando um barulho estranho fui indagar e, para meu espanto, deparei com o Libório debruçado na borda falsa, por vante do casario da ponte e, dando-lhe uma palmada nas costas, que o fez estremecer de susto, perguntei:
- Que se passa Libório, que fazes aqui tão cedo?
- Anda um mergulhador meu amigo lá em baixo - o Libório tinha amigos em todo o lado - a tentar encontrar a placa.
- Era bom que encontrasse amigo, estamos todos a torcer para que isso aconteça.
Em boa verdade não acreditava muito, até porque a água estava muito turva, mas havia que dar força ao amigo que estava em sofrimento, mas que tinha fé do mergulhador encontrar a prótese.
Ao fim de mais de quatro horas de mergulho sem que o Libório arredasse da posição de bruços no varandim do navio, o mergulhador apareceu à superfície exibindo numa das mãos a arcada dos dentes postiços do Libório. Este começou de pular e gritar numa alegria louca.
-Saiu-me a sorte grande! Enquanto me abraçava esfusiantemente numa alegria indescritível.
Queria fazer uma festa, pagar bebidas a todos, não cabia em si de contente, tanta felicidade transparecia no seu rosto.
Passados uns tempos depois do rocambulesco episódio, em conversa com ele, em tom de brincadeira perguntavamos-lhe, se tinha lavado bem a prótese, porque ela tinha sido encontrada na direcção do esgoto do navio e também do esgoto da cidade.
O Libório ria-se à farta das nossas insinuações maliciosas, mas creio que lá no fundo, pensava:
- Gozem, gozem que enquanto voçês gozam eu vou-me rindo!
E ria perdidamente com aquele ar de felicidade estampado no rosto tisnado do sol do deserto e da maresia da baía, mostrando a dentadura branca recuperada.
Passaram-se os anos, muitos, um dia venho encontrar o Libório na Escola Náutica Infante D. Henrique em Paço d'Arcos. A vida dá muitas voltas, o Libório regressou de África após a descolonização e veio encontrar refúgio e trabalho como jardineiro da escola, sempre com o mesmo sorriso de bondade num rosto mais envelhecido pelos anos e amarguras da vida, mas sempre bem disposto e brincalhão.
A manga do saco com peixe malhado
Uma sacada de 20 toneladas
O parque cheio até ficar peixe no convés
O "Cantinflas" comigo
A costa de Angola
Estava ansioso por conhecer Luanda. Não só pela beleza natural de que goza fama como também porque já tinham passado muitos dias desde que deixamos o Funchal e, para um marinheiro de primeira viagem, começava a tornar-se cansativa a vida a bordo. Precisava esticar as pernas, ver gente...
Quando por volta do meio dia o criado me veio chamar para almoçar, já eu estava a pé no tombadilho das baleeiras por ré do meu camarote que ficava ao lado do telegrafista junto à TSF. Preferi este camarote, embora me fosse dado à escolha o do 3º piloto que ficava por baixo da chaminé do navio, mas o Orlando avisou-me que era muito quente e como vínhamos para África era boa escolha o do praticante que dava para o tombadilho das baleeiras.
O navio navegava sereno junto à costa Angolana depois de passarmos o Ambriz , rumo a Luanda onde devíamos chegar a meio da tarde.
Vista do mar a ilha do Mussulo , com as palmeiras e coqueiros verdes por sobre a areia branca da praia contrastando com o ocre da falésia por cima, parecia um cenário de miragem de oásis ameno e acolhedor ao fim duma extenuante caminhada pelo deserto. Daí a pouco entravamos na baía de Luanda, com a cidade por bombordo e a ilha do Mussulo por estibordo.
Estava finalmente na bela Luanda com a extensa marginal ornada de coqueiros, reflectindo nas águas calmas da baia o casario baixo, entrecortado de arvoredo, destacando-se o "mamarracho" do edifício do BCA .
Foi uma estadia memorável que passei nesta bela e acolhedora cidade e na aprazível e encantadora ilha do Mussulo , mas cedo acabou a boa vida, tínhamos de continuar a viagem ao longo da costa angolana.
Depois de Luanda seguiam-se os portos de Porto Amboim e Novo Redondo, sem cais de atracação onde descarregávamos para batelões alguma carga e começávamos a carregar café para a Metrópole.
Num dia de folga, aproveitei uma ida a terra em Porto Amboim levar umas cartas ao correio local para na volta ir à praia tomar um banho nas maravilhosas águas equatoriais dentro da área protegida dos tubarões que frequentemente visitam a praia deixando por vezes a sua marca mortífera.
Lobito foi o porto seguinte. Tem uma configuração geográfica muito semelhante a Luanda, com a Restinga a substituir a ilha do Mussulo , embora o porto e a cidade se situem no lado oposto a Luanda mas que em nada a desmerece em beleza. É um local inesquecível na minha rota marítima, porque foi lá que festejei os meus 22 anos com um sabor tropical inimaginável.
Moçâmedes - Praia da miragens
A princesa do Namibe - a bela Moçâmedes - era o porto seguinte onde iríamos descarregar o resto da carga oriunda da Metrópole. Esperava-nos uma estadia prolongada porque estava previsto o embarque dum grande carregamento de milho ensacado e a granel para Cabo Verde.
Aqui passei o Natal. O primeiro fora da família, do lar, do ambiente tradicional, num clima quente ao contrário do habitual em ambiente frio ao calor da lareira. Não soube a Natal. A nostalgia invadiu-me e senti a falta de tudo aquilo que fora habituado ao longo dos anos; do aconchego do lar e da família, das rabanadas e outras iguarias típicas desta época natalícia, , do frio e da neve.
Nesta primeira estadia em Moçâmedes não retenho boas recordações dignas de registo. Foi tudo muito desinsabido e desinteressante. Achei a cidade agreste e quente ao contrário daquilo que anos mais tarde vim a sentir.
Equador
À medida que nos aproximavamos do continente africano aumentava o calor, diminuía o vento e abonançava o mar.
O cheiro de Àfrica pairava no ar que respiravamos. Estavamos perto de terra. A rota tangente que o capitão traçara em direcção ao cabo Verde estava prestes a aproximar-se do ponto de viragem de rumo.
O capitão viera à ponte ligar o radar na presença do imediato e do telegrafista. Era um ritual habitual nos navios mercantes nessa época. O radar estava fechado à chave e só o comandante tinha acesso, ou o telegrafista em caso de avaria. O radar era um auxiliar de navegação pouco em voga nos navios da Marinha de Comércio e só era utilizado nos pontos estratégicos de aproximação a terra, na dobragem de um cabo ou em zonas com corredores de tráfego, caso do Canal da Mancha, Gibraltar, etc.
Não fora o radar e não nos aperceberíamos da passagem do cabo Verde devido à distância considerável que o dobramos e à natureza da costa relativamente baixa. Por outro lado, a proximidade dele era evidente pela afluência significativa de navegação nos dois sentidos, sinal que estavamos a passar por uma zona congestionada de tráfego, sintoma evidente de um ponto de passagem habitual.
O mar tornou-se estanhado. Durante o quarto da noite, no silêncio, sómente o marujar do deslocamento do navio ecoava na imensidão do oceano acompanhado do ritmado barulho dos motores do navio, a que já nos habituamos ao fim de alguns dias de navegação e que a princípio não nos deixava dormir.
Aproximavamo-nos do Equador, esse mítico e invisível paralelo de círculo máximo que todos os marítimos desejam passar apesar das praxes tradicionais impostas a quem o cruza pela primeira vez.
Para além de um banho de mangueira em sinal de baptismo, que soube bem pelo calor que se faz sentir nestas latitudes, sinceramente não me recordo do "castigo" que me foi imposto pelos ditames do Deus Neptuno. Recordo-me, isso sim, duma grande festa por ré do casario, sobre a escotilha do porão nº 4, com um toldo montado por causa do sol abrasador e mesas improvisadas pelo carpinteiro para toda a tripulação comer.
Cabinda
Sob um sol abrasador e inclemente navegamos para Cabinda, onde devíamos chegar pela manhã para começar a descarga.
Era por volta das duas horas da manhã quando no horizonte, pela proa do navio, avistei um clarão luminoso alaranjado que, à medida que nos íamos aproximando, se tornava mais brilhante dum amarelo alaranjado forte. Parecia que o mar estava a arder. Daí a pouco o mistério desvendou-se, começaram a surgir do mar labaredas de fogo expelidas das torres das plataformas petrolíferas. Estavamos a chegar à zona off-shore de extracção de petróleo de Cabinda.
Saí de quarto antes do navio "Ganda" fundear em frente ao porto de Cabinda, que nessa altura ainda não tinha cais de atracação para navios de grande calado. Apenas pequenos navios de cabotagem tinham acesso directo a um pequeno cais onde os batelões, utilizados no transporte da carga oriunda dos navios provenientes da Metrópole, atracavam.
O Ganda esteve alguns dias ancorado na baía de Cabinda à descarga de diversas mercadorias, entre elas vinho em barris, aguardente e calçado.
Não mais me esquecerei duma cena que presenciei a bordo de um batelão atracado no lado de estibordo do navio. Na primeira lingada de barris que foi despejada no batelão, um dos estivadores fez sinal ao homem do guincho para colocar um barril de 100 litros no convés do batelão à proa e, com uma espicha (varão de ferro afiado numa extremidade, usado para abrir ilhós e a cocha dos cabos) furou o tampo do pipo e, em pé, no porão do batelão, aparava com a boca o vinho que jorrava do buraco aberto pela espicha. Bebeu até se satisfazer da "água de Lisboa", (nome dado pelos nativos ao vinho) dando a vez aos outros que o imitaram na ingestão do tão precioso néctar. Não será necessário dizer o que aconteceu a seguir, pois todos sabemos o que acontece quando se exagera com este tipo de bebida.
Ao fim de dois anos na E. Náutica na Rua do Arsenal, terminava o chamado Curso Geral de Pilotagem. Esperava-me agora a vida profissional a bordo dos navios.
Após uns dias na capital para ultimar os preparativos com vista a obter a cédula marítima (espécie de passaporte que me iria permitir embarcar em qualquer navio da marinha mercante portuguesa), fui passar uns dias à terra.
Tive a sorte pelo meu lado, quando no dia 15 de Agosto de 1969, na Borralha , perto de Águeda , juntamente com uns amigos de Lisboa, tivemos um acidente. O carro em que seguíamos , bateu noutro que estava estacionado na berma da estrada, capotou e apesar do aparato ficamos ilesos, com excepção do motorista que teve de ir ao hospital onde lhe foi diagnosticada uma entorse no pé esquerdo que ficou preso no pedal do travão.
Depois de umas férias curtas na terra, havia que regressar a Lisboa afim de preparar o embarque no N /M Ganda " da Companhia Colonial de Navegação, o navio-escola " da companhia no dizer do segundo piloto Orlando Lopes, que me recebeu a bordo com muita amizade e cordialidade, pondo-me à vontade e presenteando-me com um jantar numa marisqueira em Algés. Jamais esquecerei esta faceta da minha vida e o Orlando Lopes a quem perdi o rasto e não mais consegui contacto.
Junto ao Ganda em Moçâmedes em 1971
O Comandante era o Armando Artur Soares Machado, que vinha de exercer as funções de 2º. Comandante do "Santa Maria", paquete que a companhia inicialmente me havia destinado, mas que eu recusei. O Imediato era o Armando Vicente e o contramestre era o algarvio Maio. Havia um fiel do porão nº 4, de nome Henrique, natural de Peniche que fazia quarto de navegação comigo. Outros havia que tenho presente a fisionomia mas que não consigo associar o nome. Foram duas viagens a África maravilhosas e que constituíram o meu baptismo de mar.
A Madeira
Depois de irmos a Leixões onde carregamos calçado e vinho, voltamos a Lisboa terminar o carregamento.
À saída de Lisboa o comandante traçou rumo para o Funchal. Ninguém sabia deste pormenor excepto o comandante, porque estávamos em tempo de guerra (Guerra do Ultramar ou colonial) o navio transportava material bélico e o convés estava repleto de tambores de gasolina para aviões, altamente inflamável.
Passado Porto Santo, de imediato se avistou a ilha da Madeira e poucas horas depois desfrutava a bela paisagem da cidade do Funchal que me ficou na retina para sempre.
A razão do desvio da nossa rota era o abastecimento de nafta (combustível do navio) que habitualmente era feito em Las Palmas de Gran Canária mas que nesta viagem fora estrategicamente determinado ser feito no Funchal por motivo de segurança.
Com pena deixamos o Funchal pela popa. A estadia (tempo em porto) foi curta, somente o necessário para abastecer. Mal deu para escrever um postal e ir ao correio depositá-lo.
Durante a noite, revelou-se a minha inexperiência, no momento em que comecei a ver cair faúlhas no convés que se mantinham incandescentes alguns segundos por sobre os bidões de gasolina.
Que fazer?
Esta questão martelava a minha cabeça incessantemente, sem encontrar resposta adequada. A minha posição a bordo era naturalmente de praticante de piloto de 1ª viagem (trancas), como se diz em linguagem marítima, sem qualquer função responsável, mas subordinado e sob a responsabilidade do capitão do navio. Fazia quarto com o capitão que era o meu tutor de estágio e por isso nada fazia sem lhe dar conhecimento.
A solução estava encontrada, havia que chamar o comandante e ele decidiria o que fazer ou não fazer perante esta situação que à minha vista e na minha ignorância aparentava ser perigosa.
Senhor Comandante pode chegar à ponte! - O comandante estava sentado no camarote a ler, mesmo ao lado da ponte e veio imediatamente logo que o chamei.
Não foi preciso descrever-lhe o que se estava a passar. Observou preocupado as faúlhas que continuavam a cair nos bidões por vante da ponte, impelidos pelo vento do quadrante norte que soprava da popa. Passado pouco tempo dirigiu-se à casa de navegação e traçou rumo a passar por fora das Ilhas Canárias.
Governa a 220º. - Disse para o timoneiro (marinheiro do leme).
Durante algum tempo observou o movimento das faúlhas que começaram a cair na água pelo lado de bombordo (lado esquerdo relativamente ao movimento do navio) apagando-se em contacto com a água.
No dia seguinte o vento abonançou e mudou de direcção possibilitando restabelecer o rumo em direcção ao Cabo Verde, ponto tangencial da nossa rota em direcção a Angola.