Blog que retrata os acontecimentos do mar e porto de Viana e arredores, nos bons e maus momentos, dos pequenos aos grandes senhores.

18
Mar 11

 

 

 

É já no próximo dia 1 de Abril que a Fundação Gil Eanes vai ser palco de mais um evento relacionado com a pesca do bacalhau. Desta feita, trata-se do lançamento da 2.ª edição do livro «Faina Maior - A pesca do bacalhau nos mares da Terra Nova».

Há muito que se esperava por esta edição, já que a primeira cedo se esgotou, com pena de muitos que não puderam adquirir essa maravilhosa e empolgante obra contada na primeira pessoa pelo saudoso capitão Francisco Marques em co-autoria com a Dra. Ana Maria Lopes que agora resolveu fazer uma segunda edição melhorada no visual e grafismo.



Os amantes da «Faina Maior», têm agora oportunidade de adquirir este livro que relata as vivências da pesca do bacalhau nos «mares do fim do mundo» como escreveu Bernardo Santareno, o médico e escritor que também pode ser revisto através duma exposição no navio Gil Eanes, onde se encontra, nem de propósito, outra exposição sobre os navios da pesca do bacalhau de Viana do Castelo.

A cerimónia do lançamento do livro, realiza-se no dia 1 de Abril pelas 17.00 horas, é aberta a todos que queiram assistir e matar saudades desses tempos idos, e o livro estará à venda pelo preço de lançamento, 20 €, oportunidade a ter em conta já que posteriormente o preço de venda será de 25 €.

publicado por dolphin às 23:28

18
Set 10

Só um grande motivo me podia desviar de assistir ao programa deste evento relacionado com embarcações. De facto não pude dizer que não aos meus netos e fui com eles ao Campo do Gerês aos anos duns amiguinhos.

Ontem, porém, consegui assistir à montagem da exposição de terra de alguns barcos junto à Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, onde tirei algumas fotografias interessantes e hoje pela manhã ainda tive oportunidade de assistir a algumas manobras de embarcações tradicionais no estuário do Rio Lima, tirando algumas fotografias não muito conseguidas, devido à posição em que me encontrava na margem direita do rio, contra o sol. Apesar destes inconvenientes, não resisti a fixar na digital algumas manobras dessas embarcações que aqui apresento.

À tarde, tive pena de não poder assistir aos outros pormenores do programa, especialmente assistir ao seminário, que certamente foi interessante atendendo aos temas propostos.


 

A masseira ou gamela guardesa muito usada em Vila Praia de Âncora

 


 

 

Catraia N.ª S.ª D'Agonia do Clube de Vela de V. do Castelo

 

 

Barco moliceiro da Associação Amigos da Ria, da Murtosa

 

 

Uma catraia (?) bolinando no rio Lima

 

 

Catraia N.ª S.ª dos Anjos de Esposende

 

 

A catraia "Briosa" de Vila do Conde à bolina, cruzando com outra (?) a um largo no rio Lima

publicado por dolphin às 23:20

Foi no longínquo ano de 1939 que o lugre de 4 mastros, casco em aço e motor auxiliar, entrava nas águas do Lima, para aí fazer hiberneira depois da 1.ª viagem ao mar Ártico.

Durante 26 anos fez de Viana do Castelo o seu porto de abrigo e descanso para repousar das agruras e tormentas dos mares gelados da Terra Nova e Groenlândia até à partida para nova campanha.

Um dia foi vendido pela Empresa de Pesca de Viana, em fase de renovação da frota, à Empresa Ribau da Gafanha da Nazaré.

Em 1970, fui convidado, através de um amigo, a embarcar de Imediato no S.M.Manuela. Apresentei-me ao capitão João Guilherme, mas nesse mesmo dia fui "transferido" para o Avé Maria e passado uma semana estava a matricular de piloto no Lutador para a minha 1ª viagem à pesca do bacalhau.

O S. M. Manuela foi um navio que deixou muitas saudades em Viana do Castelo não só aos que nele embarcaram como aos vianenses em geral, por isso a vinda deste navio em romagem de saudade, vai por certo trazer muita emoção e carinho aqueles que de perto viveram as partidas e chegadas como eram sentidas naqueles tempos distantes.

Esta manhã (17) não resisti à tentação de ir ver entrar o S. Maria Manuela pelo canal de acesso ao Cais Comercial, percurso diferente daquele que estava habituado a fazer no acesso à antiga Doca Comercial e tirei algumas fotos que ficarão como recordação desta visita de cortesia.

 

Entrada entre molhes

 

 

Com dois "roncadores" pelos traveses - a BB o de pedra; a EB o de aço

 

 

Rumo ao novo cais

 

 

Com a bóia de "bifurcação" por BB

 

 

Espreitando os estaleiros com o Atlântida em espera . . .

 

 

Serenamente rio acima

 

 

Com a Estação de Pilotos na amura de BB

 

 

Contemplando a cidade e o Monte de Santa Luzia

 

 

Repousando no Cais Comercial contemplando de longe a cidade

 

 

Até parece que está na Doca Comercial

publicado por dolphin às 00:56

25
Mai 10

LUGRE "BRILHANTE"

 

O lugre "Brilhante" foi construído nos estaleiros da Companhia Marítima de Transportes e Pesca, no Largo 5 de Outubro, pelo construtor naval sr. José Lopes Ferreira Maiato, para a Sociedade Vianense de Cabotagem, Lda., pela quantia de 20.000$00.

Esta sociedade era constituída pelos srs. Jerónimo Vieitas Costa, Rodolfo Vieitas Costa, João Alves Cerqueira, José António de Matos e pela firma Magalhães & Filhos, Lda.

O lugre "Brilhante" foi lançado à água no dia 05-05-1921 e teve como primeiro comandante o Capitão da Marinha Mercante José Bixirão, de Ílhavo. O navio tinha as seguintes características: Tab - 350,670 tons ; Tal - 312,980 tons;Lpp - 47,25 m; Boca - 9,97 m ;Pontal - 3,82 m. Devido ao avançado do tempo para apetrechar e fazer o abastecimento de mantimentos e sal, não fez a campanha de 1921, aproveitando para fazer algumas viagens comerciais até à campanha do próximo ano.

Foi registado na Capitânia do Porto de Viana do Castelo no dia 7 de Junho de 1921, para o transporte marítimo, com armação de lugre de três mastros. Segundo averbamento de 27-03-1922 exarado no registo, passou nesta data a pertencer à Sociedade Nacional de Pesca, Lda. e, de acordo com a comunicação n.º 286 de 06-03-1924 da Capitânia do Porto de Aveiro passou a ter novo registo naquela praça com o nome de "Condestável".

Como era costume nos "bota-abaixo" dos navios naquela época, foi um acontecimento que mobilizou a afluência de um grande número de pessoas provenientes das redondezas. O cabo que prendia o navio ao berço, foi cortado pelo sr. Fernando Costa de Lisboa, gerente da casa Vieitas & Cia.

À noite, no restaurante da sra. D. Margarida de Lemos Pereira, a "Margarida da Praça", foi servido um lauto banquete aos mais íntimos amigos dos societários e em que participaram algumas senhoras.

De realçar o ressurgimento do "Restaurante da Praça que teve a melhor tradição como uma das casas de maiores primores culinários...". O restaurante foi gerido por outras direcções, mas retomou a direcção da sua primitiva proprietária.



 

Restaurante "Margarida da Praça"

 

A D. Margarida de Lemos Pereira, presenteou os convivas com uma lista genuinamente portuguesa, reavendo os seus antigos créditos, com um serviço primoroso.

A festa prolongou-se noite dentro com brindes e homenagens aos societários da empresa.

 

Fontes :

"A Aurora do Lima" - 13-05-1921

Capitânia do Porto de Viana do Castelo -Livro de registo de navios n.º 5

 

Viana do Castelo, 2010-05-25

Manuel de Oliveira Martins

publicado por dolphin às 22:37

18
Mai 10

O SEGUNDO SANTA LUZIA

 

Como referimos atrás, a direcção da Companhia Marítima de Transportes e Pesca, liderada pelo sr. Joaquim Soares, pôs em execução a construção, nos estaleiros da companhia, de uma nova unidade destinada à pesca do bacalhau.

Os trabalhos de construção estiveram a cargo do prestigiado mestre de construção naval sr. José Lopes Ferreira Maiato, e o navio foi concluído em escassos oito meses de trabalho intenso, com o fim de efectuar a campanha de 1921.

O navio apresentava as seguintes características:

Tonelagem de arqueação bruta (Tab)       = 325,99 toneladas

Tonelagem de arqueação líquida (Tal)      = 261,92      "

Comprimento entre perpendiculares (Lpp) = 48,10 metros

Boca (1) =  9,93 metros

Pontal (2) =  3,90 metros

Equipagem                                            = 43 tripulantes

O lugre "Santa Luzia" foi lançado à água cerca das 16.00 horas do dia 10-04-1921, domingo, nos estaleiros do Campo da Feira perante um mar de gente que aí afluiu, vinda das aldeias, em bandos alegres, para assistir ao "bota-abaixo", coisa nova para a maioria delas.



 

"Bota-abaixo" de um navio nos estaleiros do Campo da Feira

 

Era uma autêntica romaria,fazendo antever a Romaria d'Agonia "Aqui e alli, grupos de camponezas com trajes da região, cantavam e dançavam ao som da viola dedilhada por um rapagão...", assim se referia "A Aurora do Lima" a tão extraordinário evento para a cidade, onde também a alta sociedade e a juventude (feminina) participava, como se depreende pela referência "O Lima estava lindo. As suas águas, límpidas e serenas, mostravam assim como que um contentamento inesperado. Pudéra!... pois se vogavam sobre ellas pequenas embarcações conduzindo formosos palminhos de cara, que, para mais as envaidecerem, faziam das mesmas águas espelho para se verem!...".

Nesse dia de "bota-abaixo" era permitida a visita ao navio a todos sem excepção e a empresa proprietária do navio, contratava bandas filarmónicas e ranchos folclóricos para abrilhantar a festa como se percebe pela descrição, "De um lado, na estrada, um grupo de lindas cachopas dançavam o vira, ao som da philarmonica que junto ao escritório da Companhia se fazia ouvir para mais animar a cerimónia do lançamento".

Neste clima de festa se viviam os lançamentos à água dos navios nesses primórdios do Século XX. A mais alta sociedade vianense participava activamente ostentando a sua riqueza e estatuto social, cujo espelho disso, se comprova por, "Nas janellas dos prédios vizinhos, distinctas senhoras ostentavam vestidos pesados, próprios da sua edade e da sua posição, umas ostentando os seus lorgnons,(3) outras primaverilmente vestidas..."

 

Glossário:

(1) Boca - Largura máxima

(2) Pontal - Altura da quilha ao convés

(3) Lorgnon - Luneta com cabo

 

Fontes: A Aurora do Lima: 12-04-1921

Viana do Castelo, 2010-05-18

Manuel de Oliveira Martins

publicado por dolphin às 21:27

17
Abr 10

A SECA DO BACALHAU

 

O bacalhau "Gadus Morhua", depois de capturado, pelas linhas e aparelhos dos pescadores, embarcados nos pequenos botes de madeira - os dóris - era trazido para bordo do navio-mãe onde era processado. A primeira operação feita ao fiel amigo era o "trote",(1) seguia-se o partir da cabeça, a escala,(2) lavagem e salga.

 

1 - Bacalhau - Gadus morhua


O bacalhau depois destas operações, apresenta a forma espalmada, como o conhecemos comercialmente, sem a parte trífida da espinha dorsal, e é salgado nos porões em panas e hinos (3) até ao final da viagem, sofrendo o efeito de prensa, espalmando-o e comprimindo-o em espessura.


 

2 - Dóri  cheio de bacalhau

 

Nos dias de hoje a operação de prensagem (4) é diminuta. O bacalhau é, na maioria ou quase todo, importado da Noruega e da Islândia, onde permanece pouco tempo salgado e prensado, por isso se houve vulgarmente as cozinheiras mais antigas dizerem que o bacalhau já não é como antigamente, não cresce na panela.

Depois de descarregado, o bacalhau ia para a seca onde era lavado e colocado em pilhas ou prensas, ficando, o que vinha por cima no navio, por baixo nas prensas da seca a escorrer, sendo o último a secar, como forma de compensar a falta de prensagem que o bacalhau que foi pescado por último não recebeu, comparado com o que foi pescado primeiro que aguentou o peso do outro que foi colocado por cima e ficou sujeito ao balanço do navio que o foi acamando de tal forma que à descarga o bacalhau do fundo dos porões, de tão comprimido, era difícil de arrancar.


 

3 - Seca do Cais Novo - Darque


Em Viana existiram secas de bacalhau, primitivamente no Campo do Castelo, no Cabedelo, nas Azenhas de D. Prior e no Cais Novo em Darque.

Antes de existirem as empresas de pesca do bacalhau em Viana do Castelo, já se secava bacalhau nas secas do Cabedelo. A empresa Bensaúde  & Cia  de Lisboa, que na altura não tinha ainda as secas no Barreiro, vinha secar o bacalhau a Viana atendendo às excelentes condições de secagem. Ainda em 1914 o lugre "Gamo", com 3.000 quintais, comandado pelo capitão Manuel dos Santos Labrincha e o patacho "Neptuno" , com 3.500 quintais, comandado pelo capitão João José da Silva Caldas daquela empresa, vieram descarregar as safras (5) desse ano para secarem em Viana. As casas importadoras do "fiel amigo" que operavam há longos anos em Viana e no Porto, como era o caso de Lind&Couto, Hunt, Roope e Teague, Lda., também secavam o bacalhau importado em verde nas secas de Viana.


 

4 - Escala de bacalhau a bordo de um bacalhoeiro


A Parceria de Pescarias de Viana quando se formou, resolveu adquirir terrenos apropriados à implantação de uma seca de bacalhau. Encontrou esses terrenos, abrigados do ar do mar, com pouca humidade e expostos aos ventos do Norte, mais secos que os do quadrante sul, no Cais Novo a montante da ponte Eiffel.

Nem sempre é possível encontrar o lugar ideal, que reúna todos os parâmetros necessários, temperatura, humidade, exposição solar, etc, porém , o local escolhido pela Parceria de Pescarias de Viana, reunia o mínimo indispensável para o efeito. Não é por acaso que o bacalhau da seca de Viana tinha fama em todo o país. Naturalmente que outros factores influíram para a fama criada, como seja o maneio e o tipo de cura, mas a secagem é fundamental para o paladar do gadídeo.(6) Nem muito sol nem muita humidade, são os ingredientes básicos, para além das voltas e cuidados que se deve ter com o peixe.


 

5 - Mesas de secagem do bacalhau


A seca do Cais Novo da Parceria de Pescarias de Viana estava maravilhosamente implantada entre o rio Lima a Norte, os campos verdejantes de Darque a Leste, os montes do Galeão e do faro d'Anha a Sul e os pinheirais do Cabedelo a Oeste. Tinha um equilíbrio climatérico benéfico para a secagem, sem necessidade de grande trabalho em retirar o pescado nos picos de calor, possuindo por baixo das mesas de secagem um coberto vegetal que lhes transmitia um aroma e frescura propícios à secagem equilibrada.

Os armazéns da seca do bacalhau destinados a receber o fiel amigo proveniente das capturas dos navios da Parceria que naquele ano de 1914 foram aos mares da Terra Nova, ficaram concluídos em 30-10-1914, quase na mesma altura da chegada do primeiro navio à barra de Viana, que foi como referi atrás o Santa Maria em 27-10-1914.

Foi encarregado dos trabalhos de construção o conceituado e competente mestre de obras sr. José Gonçalves do Rego Viana, que foi elogiado por muitas pessoas, "especialmente pelos capitães dos navios de pesca do bacalhau, que affirmam não haver melhor lá fora".

Como nota última, convém referir que o primeiro bacalhau seco na seca do Cais Novo em Darque foi comercializado pela firma Lind & Couto na qualidade de concessionária.

Glossário:

(1) - "Trote" - Golpe que o "troteiro" dá no bacalhau, com uma faca de trote,desde a queixada até ao fundo da barriga, esventrando-o e eviscerando-o.

(2) - Escalar - Abrir o bacalhau pela barriga com uma faca apropriada, chamada faca de escalador, retirar-lhe a parte trífida da espinha dorsal de forma que fique aberto e espalmado.

(3) - Panas e hinos  - Pilhas transversais de salga do bacalhau nos porões.

(4) - Prensagem - Operação a que é sujeito o bacalhau devido às camadas sucessivas de um sobre o outro nos porões do navio e depois em terra após a lavagem.

(5) - Safra - Produto da campanha, quantidade de peixe pescado.

(6) Gadídeo - Diz-se da família de peixes teleósteos cujo género tipo é o gadus, como o bacalhau, gadus morhua.

Fontes:

A Aurora do Lima : 16-10-1914, 30-10-1914

Fotografias:

4 - A Epopeia dos Bacalhaus - Francisco Manso e Óscar Cruz

3 e 5 - Viana e o mar - G.D.C.E.N.V.C.

2 - História da Pesca do Bacalhau;Arquivo CRCB - Mário Moutinho

Viana do Castelo, 2010-04-17

Manuel de Oliveira Martins

publicado por dolphin às 17:37

( CONTINUAÇÃO )

 

O início da actividade da Parceria foi cheio de sobressaltos. O lugre "Santa Luzia", quando saía a barra de Viana do Castelo, no dia 06-05-1914, com destino aos bancos, viu-se em apuros, sendo prontamente socorrido pelas catraias dos pilotos, que, depois de um trabalho árduo e desgastante conseguiram evitar que lhe acontecesse o mesmo que ao lugre "Santa Maria", verificando-se mais uma vez a necessidade de um rebocador para atender nestas circunstâncias.

A viagem do "Santa Luzia" para os Bancos efectuou-se com excelentes condições para a navegação à vela tendo demorado apenas 15 dias de viagem, porém, à chegada ao banco, foi surpreendido por uma violenta pancada contra um growler,(1) tendo resistido ao impacto devido à forte solidez da sua construção.

Não ficaria por aqui a história da 1.ª viagem do "Santa Luzia" aos mares da Terra Nova. Concluída a safra e com 3.500 quintais de bacalhau graúdo estivado e salgado nos porões, o capitão do "Santa Luzia", sr. João Fernandes Mano mandou dar a volta à faina (2) e rumou a Viana no dia 11 de Outubro de 1914. A viagem correu normalmente até ao dia 24 de Outubro, altura em que apenas a dois dias da chegada, faleceu a bordo o pescador Custódio Rolão Léguas, de 28 anos, casado, natural da Fuzeta, no Algarve, que deixou dois filhos e viúva. O falecimento do infeliz pescador foi provocado por um ataque cerebral, como ficou registado no Diário de Navegação, sendo o cadáver lançado à água, vinte e quatro horas depois, às 8 horas do dia 25 de Outubro de 1914, na posição de 40º 28' 11" de Latitude Norte e 20º 17' 42" de Longitude Oeste de Greenwich, na presença do capitão, oficiais, mestrança e marinhagem

O cadáver, depois de preparado conforme os procedimentos habituais de bordo, "foi envolto n'um cobertor e enleado n'outros pannos cosidos a palomba,(3) sendo antes d'isso lavado e vestido com a sua melhor roupa". Feitas as orações e preces, encomendando a sua alma a Deus pelo descanso eterno, foi colocado numa prancha no portaló (4) de bombordo e à voz rouca de comoção do capitão - Ao mar - a prancha foi inclinada e o corpo caiu ao mar afundando-se nas profundezas do oceano, por acção de pesos colocados nos pés do defunto.

No peíodo heróico da "Epopeia do Bacalhau" que está ainda por contar, foram muitos os acontecimentos funestos como este que ensombraram de tristeza e dor os corações de muitas famílias.

Entretanto, no dia 27-10-1914 tinha entrado a barra de Viana e ancorado na bacia da doca, o lugre "Santa Maria" que partira para os bancos a 20 de Maio e fizera uma excelente campanha tendo levantado ferro (5) a 13 de Outubro de regresso a Portugal, com 3.500 quintais de bacalhau fresco.(6)

O lugre "Santa Luzia" que levantou ferro nos bancos no mesmo dia  do "Santa Maria", era esperado com ansiedade por familiares, amigos e armadores. O navio esteve à vista de Montedor no dia 28 de Outubro a cerca de 11 milhas, mas, devido ao temporal que ameaçava incrementar, amarou (7) e correu (8) até alturas de Lisboa  aguardando melhoria de tempo para se aproximar de Viana.

O Santa Luzia, carregado com 3.500 quintais de bacalhau graúdo acabaria por entrar a barra de Viana ao fim de seis longos meses, no dia 6 de Novembro de 1914, de velas enfunadas (9) menos no mastaréu (10) de prôa que se partiu ainda o navio estava nos bancos em plena faina.

Glossário:

(1) Growler - Pedaço de gelo proveniente de um campo de gelo em decomposição com o peso de aprox. 20 tons

(2) Faina - Serviço de bordo em que está empregada parte ou toda a tripulação

(3) Palomba - Ponto usado para coser as tralhas das velas

(4) Portaló - Abertura na amurada, por onde se entra e sai do navio. O de Bombordo é chamado portaló de honra.

(5) Levantar ferro - Suspender a âncora

(6) Bacalhau fresco - Bacalhau salgado por secar, também se diz " bacalhau verde"

(7) Amarar - Seguir para longe da costa

(8) Correr - Navegar com o mar à popa ou na alheta por não poder aguentar-se de outra maneira
(9) Enfunar - Encher de vento, também se diz de velas pandas

(10) Mastaréu - Pequeno mastro por cima do mastro real

Fontes:

"A Aurora do Lima" - 06-05-1914; 08-07-1914; 16-10-1914; 28-10-1914; 04-11-1914; 09-11-1914

Museu Municipal - Últimos veleiros do Porto de Viana: Lugre "Santa Luzia"

Viana do Castelo 2010-04-15

Manuel de Oliveira Martins

publicado por dolphin às 17:31

OS PRIMEIROS NAVIOS DA PARCERIA

 

Depois de constituída a Parceria, tendo como objectivo a exploração do "fiel amigo" nos mares da Terra Nova era necessário apetrechá-la dos meios de captura dessa espécie, os navios.

Embora já nessa altura a pesca do arrasto estivesse a dar os primeiros passos com navios movidos a motor, a predominância dos navios à vela era ainda superior, por isso foi decidido pela gerência depois de auscultar a Comissão Consultiva, adquirir na América dois veleiros, os lugres "Santa Luzia" e "Santa Maria".

O lugre "Santa Luzia", primeiro navio adquirido pela Parceria em Nova Iorque, fez a travessia do Atlântico apenas com 4 homens de tripulação, para além do capitão Joaquim Fernandes Batata sendo um deles o piloto, outro o cozinheiro e dois marinheiros.

Foi de grande ousadia enfrentar tão desgastante viagem com tão poucos homens, num navio tão trabalhoso como é um navio à vela, facto que se regista, dando um louvor a tão valentes como arrojados homens do mar, sinal que ainda havia marinheiros nesse tempo.

O segundo navio comprado na América pela Parceria de Pescarias de Viana, foi o lugre "Santa Maria" que fez a viagem de Gulfport no Golfo do México à barra de Viana em 34 dias de viagem, o que se reconheceu na época como uma travessia muito rápida.

Ao chegar à barra de Viana do Castelo no dia 23-02-1914, o temporal era grande, pelo que o navio sómente se aproximou à distância necesária para ser reconhecido e "fez prôa de O.N.O. e lá se sumiu pelo interior do mar".

O temporal na costa portuguesa foi tão intenso que nos dias 21 a 26 de Fevereiro de 1914, nada entrou ou saiu do porto de Viana. No dia 27, como o tempo melhorou um pouco, entraram o vapor alemão "Christine Sell" do comando do capitão P. Viereck, de 777 tons, 15 tripulantes e carga de carvão de pedra, consignado à Fábrica do Gás, procedente de Newcastle com 10 dias de viagem e de Villa Garcia com 1 dia de viagem o vapor "Jamaica" do comando do capitão Torbjorn Vik, de 790 tons e 14 tripulantes, vazio, consignado a D. Eduardo Puentes Duval. Nesse mesmo dia saiu para Las Palmas, o vapor "Valhall" do comando do capitão Danier Thoraldsen, de 750 tons e 14 tripulantes com carga de madeira em pacotes. No dia 28 de Fevereiro nada entrou ou saíu, mantendo-se fora da barra o lugre "Santa Maria", aguardando condições favoráveis para entrar.

No dia 28 de Fevereiro de 1914, sábado, quando entrava a barra de Viana "com vento N franco e mar um tanto agitado", faltou o vento ao lugre "Santa Maria" próximo do Bugio, foi largado imediatamente o ferro que garrou (1) indo o navio encalhar na ponta da Tornada. A assistência da parte do salva-vidas foi rápida, mas devido à impossibilidade deste se aproximar do navio por causa da forte rebentação, optaram por lançar à água a jangada que apanhou uma retenida do lugre passando-a para a catraia dos pilotos e esta a atou a um grosso cabo que foi preso no Bugio no intuito de manter o navio aproado ao mar.

Foi mais uma vez notória a falta de um rebocador que prestasse assistência aos navios na entrada e/ou saída. A pronta intervenção do Capitão do Porto que solicitou a Leixões a vinda de um rebocador, não resultou  por que o rebocador "Mars" que chegou a sair às 6 horas, teve que retroceder e regressar a Leixões devido "ao muito mar e vento".

Cedo se reconheceu que atendendo ao muito mar que implacávelmente batia contra o costado do navio e as marés serem mortas seriam infructíferas quaisquer esforços que se intentassem naquele momento.

Entretanto, a corporação dos pilotos reuniu em consulta, estando presente o sr. Capitão do Porto e decidiram por unânimidade, propôr que se fizesse um rombo no costado do lugre, afim de que este "assentando no fundo, não batesse quando axovalhado (2) pelo mar". Os entendidos acharam esta sugestão boa tendo-se verificado posteriormente que tinha dado resultado, caso contrário o navio teria sido desfeito.

Apesar destas medidas acidentais para evitar o pior, o navio acabou por partir ao meio, na tarde do dia 2-3-1914, acabando por se perder, sem ter feito viagem alguma aos mares da Terra Nova, ao serviço da Parceria.

O lugre "Santa Maria" viria a ser substituído pelo lugre "TYN" que entrou em Viana do Castelo em 29-04-1914  a reboque do vapor "Arcádia".

Glossário:

(1) - Garrar - Ir o navio arrastando o ferro ou ferros pelo fundo, sem estes fazerem presa sufuciente para aguentar o navio

(2) - Axovalhado - acossado pelas ondas

Fontes:

A Aurora do Lima: 02-03-1914, 29-04-1914

Viana do Castelo, 2010-04-15

Manuel de Oliveira Martins

publicado por dolphin às 17:29

22
Nov 09

Há dias, rebuscando nos meus apontamentos, descobri uma fotocópia do registo de uma escritura de sociedade e parceria que obtive no Arquivo Distrital de Viana, numa das minhas pesquisas sobre assuntos relacionados com o Porto de Viana do Castelo.

Em 22 de Maio de 1885 no escritório do tabelião João Caetano da Silva Campos, foi registada uma escritura de sociedade e parceria entre: - José Martins de Mattos, João Baptista Correia, Pedro Martins Branco, António da Costa Jácome e Camilo Vieira Ferrinho, capitão de navios e os outros negociantes da cidade de Viana do Castelo.

Esta sociedade detinha como propriedade um palhabote mercante denominado "Pimpão", surto no porto, o que significa que já estava construído, com a seguinte distribuição de quotas: - A cada um dos três primeiros signatários 1/4 parte do navio e a cada um dos dois últimos 1/8 parte do mesmo navio.

O contrato de sociedade e parceria regia-se pelas seguintes cláusulas: - 1.ª - Os lucros ou perdas resultantes da exploração do navio eram divididos em partes por todos os outorgantes e proporcionalmente aos quinhões que a cada um pertenciam no navio.

2.ª- No caso de algum ou alguns dos sócios quererem dispôr das suas partes, não o podiam fazer sem consentimento dos restantes sócios, que teriam a preferência querendo.

3.ª- No caso de haver divergência entre os sócios prevaleceria a decisão da maioria, tendo em atenção o disposto no artigo 1325 do Código Comercial Português.

 

 

Pimpão

 

O navio a que se refere este contrato era um palhabote construído nos estaleiros do Aterro, a montante da Ponte Eiffel, em Viana do Castelo, segundo projecto do engenheiro Pedro Martins Branco, um dos sócios da parceria e não um iate como é referido em algumas publicações. Como se pode ver na fotografia o navio possui mastaréus de gave-tope nos dois mastros que o diferencia do iate que não possui mastaréus.

Com a devida vénia transcrevemos o que vem descrito no livro "Últimos veleiros do porto de Viana", que nos dá uma ideia da beleza e grandiosidade deste navio.

 

"Como navio mercante, empregou-se no transporte de vinho, cereais, sal e outros produtos comerciais, entre Viana e Lisboa.

Tinha, porém, uma categoria muito superior à de um simples cargueiro comercial. Portentoso e único na sua categoria, foi condecorado com a flâmula real numa festa realizada no Tejo.

A sua beleza vinha-lhe das próprias linhas e da imponente decoração. A mastreação, caída um pouco, intencional e atrevidamente, para ré, dava-lhe um ar insinuante e magestoso.

Metade do convés era pintado de encarnado e metade da ré  em amarelo. A toda a volta do navio, nos topos dos óvens e nas bigotas, nos varandais e estais sobressaíam os copos de metal reluzente. No lais dos mastaréus tinha lanças em bronze, os arcos da gávea e a mesa das malaguetas eram forradas a latão dourado. Ao redor da popa era lacado em ouro. No beque ostentava a figura do Capitão Camilo Ferrinho que governou o Mentor II.

Restaurado em 1917, acabou por ser torpedeado na baía de Cascais, acabando no mar esta glória da construção naval."

 

 

Viana do Castelo, 2009-11-22

Manuel de Oliveira Martins

publicado por dolphin às 16:50
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